As cirurgias no presidente Lula reforçam o problema do PT ao não estimular o crescimento de lideranças alternativas, capazes de se constituírem numa opção para a disputa do Palácio do Planalto.
A dificuldade já tinha ficado evidente em 2018, quando ele, que liderava com folga as pesquisas, foi impedido de concorrer por decisões judiciais que, no futuro, acabariam anuladas pelo Supremo Tribunal Federal — a mesma corte que optara por não ver as ilegalidades cometidas por instâncias inferiores.
Na época, o PT insistiu em bancar Lula até o último momento, a briga política e jurídica exigia, no entender do partido, a manutenção da candidatura como forma de ressaltar as pedaladas processuais cometidas pelo juiz Sérgio Moro, que fazia tabelinha com o Ministério Público Federal.
Lula foi impedido de concorrer, Fernando Haddad foi chamado para entrar em campo sem fazer o devido aquecimento, Jair Bolsonaro sofreu um atentado que aumentou sua já ascendente popularidade e acabou eleito.
A candidatura do presidente em 2022 era também óbvia, seria o único nome da oposição a fazer frente a Bolsonaro. Ganhou, mas por muito pouco. As ameaças golpistas do então presidente e sua desastrosa condução do combate à pandemia facilitaram a formação de uma frente ampla, de defesa da democracia, em torno do petista.
A união em torno de Lula foi importante para a vitória, mas, outra vez, foi decisivo o carisma e a capacidade de sobrevivência do ex-operário, protagonista de uma parábola que acrescentou uma nova e injusta prisão a um currículo que incluía fome, pobreza, migração forçada e determinação.
O problema é que o triunfo de Lula foi, acima de tudo, o de um líder carismático, amado por uma grande parcela da população (e odiado por outra). A baixa votação da esquerda, refletida nas cerca de 25% das cadeiras que ocupa na Câmara, apenas reafirma o que se sabe, que Lula é muito maior que o PT.
Como outros líderes conscientes de seu próprio carisma (Leonel Brizola e Carlos Lacerda, para citar dois antagônicos), Lula gosta de ser aquele que comanda, e não abre espaço para novos políticos.
Nascido de uma proposta que previa uma democratização dos poderes, inclusive dentro da própria esquerda, o PT até que proporcionou o surgimento de lideranças vindas do movimento sindical; num primeiro momento, renovou a política brasileira.
Mas Lula ficou como uma espécie de cláusula de barreira, uma figura que, até por suas qualidades, ficou intransponível dentro do partido. Consciente de seu papel e de sua importância, fez questão de, até agora, não preparar um eventual sucessor.
Como lembrou ontem a coluna Correio Bastidores, em março de 2008, mais de dois anos antes da eleição presidencial, ele tratou de levantar a bola de Dilma Rousseff, sua ministra da Casa Civil. Impedido legalmente de disputar uma nova reeleição, mostrou força ao bancar e eleger o que o mundo político chama de "poste".
Em 2024, nem quer saber disso. Aos 79 anos, quer um novo mandato, sabe que é a única unanimidade no PT e na esquerda de um modo geral. A saída de Joe Biden da corrida pela reeleição e suas evidentes dificuldades para exercer o poder deram uma balançada no projeto de Lula, mas ele continua firme.
É preciso conferir como ele vai sair de cirurgias feitas no cérebro. As perspectivas são boas, mas a realidade teima em lembrar ao presidente que seu corpo já não é mais o mesmo.
Em caso de uma dificuldade de saúde mais evidente, a situação ficará bem delicada — ao olhar para os lados e para baixo, Lula perceberá que errou feio ao não preparar uma alternativa e que será difícil encontrar uma saída.