Quantos iguais a você deve ter o Supremo? Ou a Polícia?
Escrevo este texto porque li no meu Instagram uma postagem de um seguidor que disse que o STF seria melhor se tivesse 8 juízes como eu. Agradeci pelo carinho e disse que fiquei lisonjeado, não sem ressaltar que espero sempre fazer jus a essa confiança. No entanto, o tema demanda algumas considerações.
Eu não gostaria que o STF tivesse 8 juízes como eu. Embora seja um grupo pequeno, uma suprema corte precisa representar a diversidade do país que pretende dar a palavra final sobre temas cruciais.
Sabendo que nem tudo chega ao Supremo, quero falar de algo que serve para todos os juízes, promotores, delegados de polícia, defensores e até para o guarda da esquina.
O essencial para qualquer juiz, independentemente de cor, religião ou ideologia, é cumprir a Constituição. Esse cuidado com a Constituição é indeclinável em todos os cargos e funções públicas. A autoridade dos cargos é do Estado, não da pessoa que os exercem. Um juiz ou um policial não representam a si mesmos, mas a autoridade estatal. Logo, os interesses e preferências pessoais não podem prevalecer.
Sou conservador e, por exemplo, preferiria mais conservadores no STF, ou nos tribunais, ou no MPF. Mas ficarei tranquilo se nestes lugares houver esquerdistas que respeitem o texto constitucional, agindo segundo suas visões de mundo (pois ninguém escapa disso), mas primeiro respeitando o que está escrito, sem a prática de ativismo ou captura ideológica. Esse respeito ao legislador constituinte e ao povo — titular do poder — deve valer para todos.
Ninguém, por mais sábio que seja ou se considere, tem legitimidade para alterar o que está na Constituição ou nas leis. Apenas o povo pode mexer na Constituição e nas leis, por intermédio do Congresso. Para legislar é imprescindível a legitimidade das urnas. Sem ela, estaremos diante de uma plutocracia.
É a preocupação com as urnas na próxima eleição que submete o legislador ao povo. Quem quer legislar precisa ser eleito e periodicamente submetido ao escrutínio do povo. Quem não tem receio de ser ejetado de seu assento pelos eleitores não pode criar leis.
A diversidade e a quantidade de casas legislativas (duas) e de pessoas (513 deputados e 81 senadores), bem como as complexas e longas discussões do processo legislativo, garantem que as leis sejam razoáveis. Logo, juízes e promotoras não podem legislar nem substituir a preferência popular pelas suas próprias.
Sem nunca esquecer o elemento básico de respeito à Constituição, acredito que as instituições e a sociedade se beneficiariam muito se tivéssemos dois pontos de partida.
Primeiro, a submissão de todos à Constituição, sem a arrogância que os intelectuais às vezes apresentam e sem a captura do poder do cargo para fazer militância política, religiosa, de gênero ou identitária.
Segundo, uma composição dos cargos com mais "cara de Brasil".
Não tenho nada contra homens brancos — afinal, até contribuí para a existência de mais dois no mundo. Também contribuí para haver no planeta mais uma mulher loira. Se uma pessoa tem algo contra homens brancos, essa pessoa é misândrica e racista, e ainda não entendeu o que é isonomia.
Porém, não acho positivo termos, por exemplo, um Judiciário e um Ministério Público compostos em sua grande maioria por homens brancos.
Friso que o que garante a segurança jurídica é não é a cor, o sexo, o gênero, a ideologia ou a religião do juiz, mas sim o respeito às regras e a rejeição a inventar normas que ele preferiria que existissem.
Dito isso, eu quero ver mais mulheres pretas e pardas em posições de poder. Gostaria de ver mais mulheres e negros no STF. As mulheres e os negros precisam estar mais representados lá, não por causa de cotas, mas pela contribuição que podem dar. Uma mulher preta ou parda de toga inspirará as meninas brasileiras — afinal, mulheres e negras são a maioria da população. Ser mulher traz vivências diferentes que podem contribuir para julgamentos mais profundos. O mesmo vale para uma pessoa de cor preta ou parda. E para um homem branco, que não pode ser excluído do rol dos brasileiros.
Um homem branco, hétero e cristão pode julgar com justiça e excelência uma mulher preta, lésbica e ateia. Como isso é possível? Desde que ele siga a Constituição, não crie regras nem assuma o papel de legislador positivo. Da mesma forma, eu me sentiria seguro sendo julgado por uma juíza preta, lésbica, da umbanda ou do candomblé se ela seguir a Constituição e respeitar os limites de sua função.
No fim, o essencial é termos juízes e agentes públicos que nos ofereçam segurança jurídica. Não é obrigatório ser desta ou daquela cor de pele, gênero ou preferência ideológica, mas precisa jogar limpo, seguir as regras e respeitar os limites de sua função.
Juízes, promotores e delegados de polícia possuem missões jurídicas, mas não apenas isso. Eles também exercem uma função social, devendo contribuir para que sua instituição seja uma referência moral e um fator de paz, confiança e segurança para a sociedade.
Gostaria de ver mais mulheres, pretos e pardos em posições de poder. Acho ótimo termos diversidade nos cargos públicos: heterossexuais e gays, pessoas de diferentes religiões, regiões, histórias de vida e cosmovisões. Todos, porém, submissos às leis.
Quem assume a magistratura e o Ministério Público tem deveres extremos. Isso vale, por sinal, para toda autoridade e todo agente público. Se os agentes políticos e os servidores públicos não forem os primeiros a respeitarem a Constituição e as leis, que exemplo os cidadãos terão para seguir?
*Professor de Direito Constitucional