Por: RICARDO BRUNO

Planos de Saúde: André Mendonça vai julgar a imperdoável omissão de Arthur Lira

André Mendonça terá a oportunidade de redimir as instituições da República de imperdoável omissão, ou, noutras palavras, do conluio criminoso de poderosos em desfavor dos interesses de expressiva parcela dos brasileiros. | Foto: STF

Não bastassem as agruras estruturais da classe média – custo de vida elevado, endividamento e incertezas no mercado de trabalho - um outro pesadelo tem tirado o sono de boa parte dos brasileiros remediados. A relação abusiva das operadoras dos planos de saúde com os usuários tem motivado litígios que retratam a perversidade de um dos setores mais poderosos da economia nacional diante da dor de brasileiros acometidos por enfermidades. É exatamente neste momento de fragilidade e apreensão que se percebe com clareza a necessidade de passar a limpo os métodos e práticas das empresas do setor.


Os números são eloquentes por si, expressam a importância e o relevo de um tema que tem sido negligenciado pelas instituições brasileiras, docilmente acovardadas diante do poderio econômico exibido pelo segmento empresarial. Tramitam hoje no Judiciário brasileiro 800 mil processos relacionados à saúde, a maior parte deles referente à omissão ou inconsistência dos serviços prestados pelas operadoras. Somente em 2024, 483 mil ações foram ajuizadas, numa média de 60 mil/ mês.


Não há como se tratar com desdém ou mesmo normalidade um assunto tão controverso. Não se pode passar o pano diante da relevância do debate para os 51 milhões de brasileiros matriculados nos planos de saúde do pais. Em 2023, um levantamento realizado pelo IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) mostrou que o maior percentual de reclamações dos consumidores nacionais – 29,3% - está relacionado às operadoras do setor. Negativas de cobertura, reajuste abusivos, descredenciamento de unidades hospitalares e rompimento unilateral de contratos ilustram a miríade de irregularidades praticadas contra os usuários.


As autoridades brasileiras não enfrentam o problema plenamente. São criminosamente omissas diante das flagrantes brechas da lei, através das quais os planos de saúde escapam de obrigações contratuais. Fazem um controle enviesado, nunca de frente.


Órgão responsável pela vigilância do setor, a Agência Nacional de Saúde (ANS) exibe rigor no controle dos planos individuais: estipula limite de reajustes, reafirma obrigações de cobertura, exige reembolsos, etc. e tal. Ocorre que os planos individuais respondem por apenas 17,7% do total e não são ofertados em igual proporção aos coletivos, que estão praticamente livres das amarras da legislação para a prática de toda sorte de abusos.


Há casos de contratos coletivos com cerca de 400 clientes que tiveram reajuste de 60%. Um escárnio – decorrente da insensibilidade comercial das operadoras com a complacência das autoridades que deveriam regular o setor. Neste emaranhado de dóceis omissões vê-se nitidamente um conluio silencioso em desfavor da sociedade brasileira.


O ápice da investida dos planos de saúde contra os direitos dos usuários se deu após a pandemia, exatamente em 2023. Crianças com autismo e pacientes com câncer se viram abruptamente sem cobertura, desprotegidos, descartados ... e abandonados pelas instituições regulatórias que deveriam garantir seus direitos. Tudo isto após décadas de contribuição. Somente na Defensoria Pública do estado do Rio mais de mil pacientes obtiveram liminar para que pudessem continuar o tratamento.


Diante de quadro tão aterrador, o deputado Áureo Ribeiro (SD) propôs uma CPI na Câmara dos Deputados para investigar a situação. Cumpriu todos os requisitos legais: obteve 310 assinaturas entre os pares, quase o dobro do mínimo de 171 exigido pelo Regimento Interno. A despeito disto, o presidente Arthur Lira sentou “em cima” da solicitação. Em arroubo absolutista, despótico, descumpriu o regimento numa atitude prenhe de suspeições. A quem estaria servindo? À sociedade brasileira, obviamente que não.
Não existe espaço para juízo de discricionariedade do presidente da Câmara na análise de pedido de instalação de CPI, se cumpridas as exigências legais. Não pode o Sr. Arthur Lira deixar o requerimento sem qualquer despacho em afronta a prerrogativas legítimas dos parlamentares.


No Rio, uma CPI instalada pelo presidente Rodrigo Bacellar na Assembleia Legislativa foi encerrada inconclusa por “inusitada” decisão do Tribunal de Justiça, provocado pelas operadoras de planos de saúde.
Perguntas que não querem calar: por que a entidade representativa do setor tenta de todas formas impedir que o Parlamento discuta o assunto? O que há por trás desta obsessão de interditar o debate? Se nada há a esconder, por que tantas manobras?


Os brasileiros terão brevemente a oportunidade de obter uma reversão neste quadro de desesperança. Está nas mãos do ministro André Mendonça mandado de segurança impetrado pelo presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força, exigindo que Lira se dobre ao tacão da lei, cumpra o regime e instale a CPI, como desejam mais de 300 deputados e aguardam, aflitos, outros 50 milhões de brasileiros, clientes dos planos de saúde.


André Mendonça terá a oportunidade de redimir as instituições da República de imperdoável omissão, ou, noutras palavras, do conluio criminoso de poderosos em desfavor dos interesses de expressiva parcela dos brasileiros.

Publicado originalmente na Agenda do Poder*