João Fonseca faz o tênis brasileiro voltar a sonhar alto

Por Sérgio Nery*

A atuação de gala de João Fonseca em sua primeira partida de Grand Slam encanta o mundo do tênis ao mesmo tempo que pulveriza qualquer cautela sobre as expectativas depositadas no tenista carioca de 18 anos. Com a vitória por três sets a zero no Aberto da Austrália contra o russo Andrey Rublev, número 9 no ranking da ATP, é impossível negar que a história está sendo escrita diante dos nossos olhos e que vemos o surgimento de um novo ídolo neste esporte tão competitivo quanto peculiar.

O furor nas redes sociais, na imprensa brasileira e internacional não foi provocado apenas pela vitória em si, já que volta e meia uma zebra acontece e um Top 10 é eliminado na primeira rodada de um grande torneio. Todo o alvoroço em volta de seu nome se dá não pelo feito, mas pela forma com que a revelação brasileira conduziu o duelo e chegou ao triunfo.

A partida marcou a 'primeira vez' do ainda adolescente em diversos sentidos. Era a sua estreia em um dos quatro principais torneios do circuito - Roland Garros, Wimbledon e US Open completam a lista. Era o seu primeiro confronto disputado em melhor de cinco sets. Também foi o seu primeiro embate com um tenista classificado entre os 10 primeiros do ranking mundial. Além de ser a sua primeira partida em um grande estádio, a quadra Margaret Court Arena, a segunda maior do complexo de Melbourne.

Em situações assim, é natural que um garoto na flor da idade reaja com nervosismo, ansiedade, ou até mesmo, sudorese excessiva nas extremidades do corpo, como nas mãos e nos pés. Não foi o que se viu nas quase 2h30 de jogo. Se estava tenso, soube controlar os nervos e não deixou transparecer para Rublev, um atleta conhecido pelo seu temperamento explosivo e comportamento autodestrutivo.

O tênis é um esporte tão mental quanto físico e técnico e, neste quesito, Fonseca também superou seu oponente, com muita confiança e serenidade nos momentos cruciais da partida. Após confirmar todos os games de saque no primeiro set, o debutante foi agressivo e dominou o tie break (7x1) para fechar a primeira parcial. No segundo, com uma quebra a frente, teve controle emocional para confirmar seus saques e fechar em 6x3. Já na terceira parcial, o brasileiro teve o serviço quebrado pelo russo, mas reagiu imediatamente devolvendo a quebra no game seguinte. Esse foi o recado definitivo enviado para Rublev de que o jogo já tinha um dono.

O jovem destilou seu amplo repertório nos momentos finais. Além do saque forte e preciso, com aces em momentos de aperto e apenas uma dupla falta, o carioca variou as jogadas com maestria, usando tanto os slices, quanto as bolas curtas para quebrar o ritmo, retomar o controle dos pontos e partir para o ataque com sua bola rápida de direita, carro-chefe de um arsenal altamente completo para a sua tenra data de nascimento. Mesmo sob pressão, contra um jogador mais rodado, ele levou o set para o tie break e encontrou o caminho para a vitória sem medo de errar, o que denota toda sua coragem.

A vitória de Fonseca não foi um acaso, assim como sua chegada ao ATP Tour. Sem queimar etapas, o jogador pavimenta um caminho com sua equipe, encabeçada pelo técnico Guilherme Teixeira que o acompanha desde os 12 anos de idade e ajudou a moldar um estilo de jogo agressivo e moderno. Dando tempo ao tempo, a carreira segue em rota de voo ascendente, com as devidas escalas e conexões, até atingir a velocidade de cruzeiro.

Em 2023, o carioca foi campeão juvenil do US Open e terminou o ano como número 1 do ranking de juniores. Em 2024, jogou o Rio Open (ATP 500) como convidado e logo se destacou. No quintal de casa, no Rio de Janeiro, alcançou as quartas de final de forma surpreendente e a partir desse resultado, decidiu se profissionalizar em detrimento de uma carreira no tênis universitário dos Estados Unidos.

Já em abril do mesmo ano, em Madri, jogou e venceu sua primeira partida em um ATP Masters 1000, segunda principal categoria de torneios. Em agosto de 2024, conquistou seu primeiro título de Challenger, aos 17 anos, em Lexington, nos Estados Unidos. Essa vitória o impulsionou para o top 175 do ranking mundial e ajudou a classificá-lo para o Next Generation ATP Finals, torneio com os melhores jogadores com até 20 anos. Mais uma vez, ele superou as expectativas e foi campeão, chamando definitivamente a atenção de todo o circuito.

De lá para cá, o tenista desembarcou na Austrália e venceu o Challenger de Camberra, em janeiro de 2025, furou a fase classificatória do Australian Open e alcançou o retrospecto de 13 vitórias seguidas até chegar à chave principal do Grand Slam. Tudo isso, gerou uma grande repercussão e elevou sua estreia ao patamar de jogo mais esperado da primeira rodada.

Todos os fatos mostram que, apesar de muito jovem, Fonseca não é um neófito no tênis. A maturidade em quadra é tão impressionante quanto a velocidade do seu forehand. A entrevista pós jogo reflete essa realidade.

Com carisma e humildade, ressaltou que tentou aproveitar cada momento e se divertir em um dos grandes palcos do esporte, com foco no seu jogo e sem colocar pressão em si mesmo. Ao ser provocado pela repórter, que tentou estipular um valor ao seu talento, Fonseca foi taxativo ao citar uma frase de Roger Federer: 'Talento não é suficiente sem trabalho duro".

O caminho até o topo segue longo, árduo e imprevisível. A montanha russa do esporte detém altos e baixos e uma possível derrota nas próximas rodadas deve ser vista como algo natural na evolução de um tenista tão jovem. Todavia, com a vitória sobre um Top 10 em três sets diretos, o brasileiro fincou os pés no circuito mundial de tênis.

A postura de João Fonseca traz de volta o desvaneio do tênis nacional por grandes resultados. E o mais impressionante é que, no fulgor de seus 18 anos, ele sonha com os olhos bem abertos e comprova a cada resultado ser capaz de, num piscar de olhos, transformar seus sonhos em realidade.

*Colunista do

Correio da Manhã