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O respeito que deveria ser obrigatório

O Carnaval, além de ser uma das maiores manifestações culturais do nosso país, é também um espaço de expressão artística e religiosa. Ao longo dos anos, temas ligados às religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, têm sido cada vez mais presentes nos desfiles de escolas de samba, seja na Sapucaí ou no Anhembi, reafirmando a importância dessas crenças na formação da identidade nacional. No entanto, não é raro que grupos de outras religiões, evangélicos, por exemplo, especialmente lideranças neopentecostais, reajam com discursos de intolerância, associando essas manifestações ao "mal" ou a "forças negativas". Nessa semana, que antecede a maior e principal festa do país, as redes sociais foram palcos de discursos preconceituosos de diferentes partes do Brasil.

Esse tipo de postura reforça um histórico preocupante de perseguição contra religiões de matriz africana, que há séculos são alvo de preconceito e marginalização no Brasil. O que se vê é um desequilíbrio: dificilmente se ouve falar de terreiros de Umbanda ou Candomblé promovendo ataques contra igrejas evangélicas, mas é comum encontrar pastores e pastoras usando sua influência para desqualificar e demonizar práticas religiosas diferentes das suas.

A liberdade religiosa é um direito constitucional, e o respeito entre diferentes crenças deve ser um princípio fundamental. A fé de um grupo não pode ser usada como justificativa para deslegitimar a crença de outro. O Brasil, um país plural e diverso, só será verdadeiramente democrático quando todas as expressões religiosas forem tratadas com dignidade e sem essa perseguição que toma, com muita frequências, o noticiário e também as redes sociais.

Os evangélicos, que já enfrentaram preconceitos no passado, deveriam ser os primeiros a compreender a dor da intolerância. Em vez de fomentar o medo e a segregação, é preciso incentivar o diálogo inter-religioso, baseado no respeito e na compreensão mútua. O Carnaval, assim como a fé, pertence a todos os brasileiros e todos os envolvidos nele merecem respeito.

"'Ah, tem muita macumba', 'é sempre a África'. Meu amor, é desfile da inteligência negra, periférica. Tu quer que fale de quê? Da Branca de Neve? Tu quer que fale do Donald Trump? Não, meu amor. Vai falar de Clementina de Jesus, de Exu, de Laíla"... Finalizamos este editorial com essa declaração de Milton Cunha, no fim do ano passado. Que venha mais uma edição do maior espetáculo da terra.