Durante recente debate na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), defendeu-se que a Lei dos Puxadinhos fosse tornada ainda mais permissiva, permitindo que lojas comerciais da Asa Sul ocupem toda a área verde localizada nos fundos até a calçada das superquadras. Usou-se como argumento o mito de que os mais de três milhões de habitantes do DF frequentariam diariamente o Plano Piloto, o qual deveria acompanhar esse "dinamismo".
É fato que as áreas atrás das lojas sofrem com acúmulo de lixo, ocupações irregulares, obstrução de calçadas e, em muitos casos, presença de roedores. A ocupação desordenada desses espaços e o desrespeito ao seu uso coletivo resultam em insegurança e representam uma afronta à harmonia urbana da cidade.
Essa situação não é nova. O Conselho Comunitário da Asa Sul (CCAS), junto a moradores da região, denuncia há anos o abandono e o desvirtuamento dessas áreas, com sucessivas ocupações ilegais que, muitas vezes, são ignoradas pelos órgãos de fiscalização.
Em 2022, foi sancionada a Lei Complementar nº 998, conhecida como Lei dos Puxadinhos, com o objetivo de padronizar o uso das áreas públicas nos fundos das quadras comerciais, garantindo acessibilidade, preservação das áreas livres e respeito à estética arquitetônica da cidade.
O CCAS não é contra os puxadinhos. Pelo contrário: defendemos que essas áreas possam ser utilizadas, desde que com responsabilidade, dentro da legalidade, e respeitando o tombamento de Brasília e o seu planejamento urbano.
Infelizmente, as alterações feitas após a sanção da lei descaracterizaram completamente sua proposta original. O que era para ser uma iniciativa de organização e padronização virou sinônimo de desordem, ocupações irregulares e desrespeito à coletividade e ao patrimônio da cidade.
A proposta de permitir que os puxadinhos avancem por toda a área verde até a calçada das superquadras afronta a essência de Brasília e contribui para a sua descaracterização.
A cidade é tombada em três esferas — distrital, federal (pelo IPHAN) e internacional (pela UNESCO) — justamente para preservar seus princípios urbanísticos, como a separação clara entre os usos, as amplas áreas verdes e os vazios urbanos planejados por Lúcio Costa.
Há quem insista em dizer que essas regras "engessam" a cidade. Mas o verdadeiro problema de Brasília não está nas leis que a protegem, e sim no desrespeito a essas leis, na omissão do poder público e na falta de fiscalização eficiente. Desenvolvimento urbano não pode ser confundido com bagunça. Crescer não significa abrir mão da ordem, da estética ou da qualidade de vida.
Fortalecer a economia local não exige destruir áreas verdes ou ignorar o tombamento. O caminho está em incentivar atividades compatíveis com o Plano Piloto e descentralizar o desenvolvimento para outras cidades do Distrito Federal. O adensamento desordenado no Plano Piloto não resolve os problemas estruturais da cidade — apenas os desloca e os agrava.
Esse tipo de proposta representa, na verdade, um projeto político de liberalização total, onde os interesses de poucos comerciantes se sobrepõem ao direito coletivo à cidade planejada, acessível, segura e viva para todos.
Criticar esse tipo de discurso não é ser contra o progresso. Tampouco significa ser contra a economia ou o dinamismo urbano que todos desejamos. É, sim, defender uma Brasília bem cuidada, com planejamento, com respeito à sua história, ao bem-estar de sua população e ao seu futuro. Brasília pode — e deve — crescer. Mas com inteligência, equilíbrio e compromisso com o bem comum.
*Presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul (CCAS), prefeita comunitária da SQS 102, síndica e estudante de Ciência Política.