Por: Paulo Roberto Netto
Por 10 votos a um, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou nesta quinta-feira (28) decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que esvaziou o conselho deliberativo do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente), ligado ao Ministério do Meio Ambiente. A decisão reinsere a sociedade civil no colegiado, responsável por direcionar recursos para políticas ambientais.
Os ministros também derrubaram outro ato do governo federal que excluiu governadores do conselho da Amazônia Legal, que tem como objetivo coordenar e integrar os esforços federais pela preservação, proteção, desenvolvimento da floresta. As decisões foram tomadas no mesmo dia que a Global Forest Watch apresentou dados que indicam que o Brasil foi líder na derrubada de florestas tropicais, em 2021.
O julgamento foi iniciado no início do mês dentro da chamada "Pauta Verde", pacote de processos que questionam omissões do governo na preservação do meio ambiente. O único voto contrário foi do ministro Nunes Marques, escolhido por Bolsonaro para o cargo no STF.
A ação foi movida pela Rede em fevereiro de 2020, que acusa o governo Bolsonaro de retirar representantes da sociedade civil do conselho do fundo ambiental. O decreto editado pelo Planalto fixou que o grupo passaria a ser composto somente por nomes escolhidos pelo próprio governo.
Na quarta (27), a Corte formou maioria para derrubar a medida, alegando que a alteração promovida pelo governo configurava retrocesso na política ambiental. Nesta quinta, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, proferiu o último voto contra o decreto.
Segundo Fux, a Constituição expressa que o dever de preservação do ambiente exige a participação direta da sociedade na elaboração de políticas públicas.
RETROCESSOS AMBIENTAIS
Na sessão de quarta, o ministro Edson Fachin relembrou que a Constituição veda mudanças que causem retrocessos em conquistas obtidas pelos cidadãos.
"Tenho para mim que é inconstitucional qualquer retrocesso a esse desenho normativo constitucional vinculante. Não há nem tempo, em face das gerações futuras, e nem espaço normativo, em face da Constituição, para retrocesso", disse Fachin.
Na sequência, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que ambientalistas alertam para o aumento de eventos climáticos extremos e criticou o avanço de propostas que buscam regularizar a ocupação de terras por grilagem.
"De tempos em tempos, vem uma lei que permite a regularização das terras griladas e isso funciona como um incentivo à continuidade dessa prática", disse Barroso.
"Não vou entrar na discussão política sobre a conveniência ou não de regularizar, mas se for para regularizar, deveria aprovar uma emenda constitucional para dizer que não pode mais. Porque do contrário, a cada 5, 10 anos, vai vir uma nova lei para regularizar a grilagem e, portanto, continua um ciclo vicioso de incentivo à ocupação ilegal de terras públicas na Amazônia".
"Ao eliminar a participação da sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, e ao implementar uma política pública que tem resultado em aumento da degradação ambiental – isso é um fato objetivo, não é uma opinião – a administração pública está interferindo com um direito fundamento à proteção ambiental e o direito de participação da sociedade num retrocesso em relação à situação previamente existente", argumentou Barroso em seu voto.
Os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber e Gilmar Mendes também votaram para derrubar o decreto.
ATRITO ENTRE MINISTROS
Na primeira sessão, realizada no último dia 7 de abril, o julgamento foi marcado por uma discussão entre Cármen Lúcia, a relatora das ações, e Nunes Marques indicado por Bolsonaro ao STF.
A troca de farpas ocorreu quando o julgamento contava com os 4 primeiros votos para suspender a medida. Primeira a votar, Cármen disse que a medida era "antidemocrática" por excluir os representantes da sociedade civil do órgão.
Nunes Marques, porém, divergiu. Segundo o ministro, como a lei não determina a participação popular no conselho do FNMA, a decisão do Supremo poderia tornar essa exigência obrigatória, trazendo reflexos no futuro.
"Repristinar (trazer de volta ao uso) um decreto que por opção política do passado previa a participação popular em um conselho é, na prática, impor essa participação direta como instrumento mínimo de democracia direta sem que haja essa exigência constitucional", disse.
Cármen pediu a palavra para discordar do colega. Relatora, a ministra falou que seu voto não abre nenhum precedente para impedir o presidente de mudar o conselho. "Isso não existe no meu voto e até onde pude compreender, dos outros 3 votos exarados, isso em nenhum momento foi cuidado", afirmou.
"Essas situações são perigosas porque quando se expõe isso, se expõe quem votou até agora como se a gente tivesse fazendo uma barbaridade. Se eu tivesse dizendo que o presidente da República, que tem a competência regulamentar infralegal não pode exercê-la para modificar, alterar ou aperfeiçoar a participação popular, realmente estaria uma coisa em contradição absoluta à Constituição. Não foi isso que eu disse", declarou Cármen.
Mendonça, que pediu vista em 2 processos da Pauta Verde no início do mês, disse que o governo pode definir a melhor forma de participação popular, mas não excluí-la totalmente.
"Também entendo que essa participação deve primar pela eficiência. Não é uma participação a tal ponto que iniba a própria realização da política ou eficiência da política correspondente, mas participação deve haver".
Alexandre de Moraes votou com Cármen e afirmou que a Constituição considera a participação popular ao tratar de proteção ambiental. "Não há razão para se retirar a participação popular na destinação do fundo ligado ao meio ambiente", afirmou.
GOVERNADORES NO FUNDO AMAZÔNIA
No mesmo voto em que se posicionou para suspender o decreto do conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente, a ministra Cármen Lúcia disse que estenderia sua decisão contra outra medida, também do governo Bolsonaro, que excluiu os governadores do conselho da Amazônia Legal.
Esse pedido foi feito dentro da mesma ação do Fundo Nacional e estava sendo julgado paralelamente.
Neste caso, o Supremo também formou maioria para derrubar a norma, mas com placar diferente. Cármen foi acompanhada por Moraes, Lewandowski, Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux. Mendonça divergiu dizendo que não aceitaria os demais pedidos do partido, uma vez que as partes não puderam se manifestar com antecedência. Gilmar Mendes e Rosa Weber adotaram posicionamento parecido.
Nunes Marques foi o único a votar para manter a exclusão dos governadores do conselho da Amazônia Legal e a exclusão da sociedade civil no conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente.