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'Estamos socorrendo 733 aldeias indígenas, de 23 diferentes etnias no extremo Norte do Amazonas'

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Em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã, Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, conta como militares tem combatido a Covid-19 e garantido a soberania brasileira na floresta mais cobiçada do planeta

Por Marcelo Dutra*

Com 44 anos de trabalho nas Forças Armadas, o Ministro da Defesa e general do Exército Fernando Azevedo e Silva, 66, não tinha enfrentado até então nenhuma batalha. Contudo, coube ao destino, que o 2º militar à frente da pasta desde que ela foi criada em junho de 1999 (o 1º foi seu antecessor, o general da reserva do Exército Joaquim Silva e Luna no governo Michel Temer), tivesse que ficar frente a frente com a maior crise sanitária global da história do século 21: a Covid-19, que até a publicação dessa reportagem já havia vitimado mais de 21 mil brasileiros num curto espaço de tempo, apenas três meses. Um inimigo sem farda e sem rosto. Traiçoeiro e fatal.

Nessa entrevista exclusiva concedida ao Correio da Manhã, o general, que já ocupou o cargo de Comandante do Comando Militar do Leste e Coordenador Geral de Defesa de Área, por ocasião da preparação e execução dos Jogos Olímpicos Rio 2016 (2015 - 2016), detalha o trabalha heroico dos militares brasileiros nos cantos mais remotos do país, como o extremo Norte da Amazônia, onde os soldados estão socorrendo milhares de índios de 23 etnias, quase que totalmente isolados. Azevedo conta ainda como é comandar uma tropa de 44 mil homens, só na Região Amazônica, para garantir a soberania brasileira num dos espaços mais cobiçados do planeta. Atualiza os números das ações de combate a pandemia do novo coronavírus, e fala do Verde Brasil 2, projeto de combate a ilícitos ambientais na Amazônia Legal.

O senhor esteve nesta 4ª feira (20 de maio) no Comando Conjunto Oeste (CCjO), em Campo Grande (MS), e na 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Cuiabá (MT). Qual o objetivo dessa viagem?

Estamos, simultaneamente, com duas grandes operações em curso: COVID-19, de combate a Pandemia do Novo Coronavírus, e Verde Brasil 2, de combate a ilícitos ambientais na Amazônia Legal.

Recentemente estive em Campo Grande e em Cuiabá acompanhando o trabalho das Forças Armadas nessas duas operações. No MS, acompanhei a desinfecção do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. Essa ação é realizada pelas equipes de Defesa Biológica, Nuclear, Química e Radiológica (DBNQR) das Forças Armadas nos locais de grande circulação em todo o país. No Mato Grosso, conferi de perto as ações da tropa na Amazônia.

A Operação Verde Brasil 2 foi desencadeada em 6 de maio. Ela é uma das ações do Conselho da Amazônia, coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. O papel que cabe à Marinha, ao Exército e à Força Aérea é o de apoiar os órgãos ambientais e de segurança pública no combate a ilícitos. Ressalto que o propósito das Forças Armadas é apoiar IBAMA, ICMBio e as Polícias Federal e estaduais para que essas agências façam o seu trabalho com tranquilidade.

Em relação à Amazônia, como o Ministério da Defesa trabalha para garantir a nossa soberania nessa área? Quais são as reais ameaças ao Brasil atualmente?

Temos a maior floresta tropical do mundo preservada, com uma riqueza natural como em nenhuma outra nação. Sua área é superior a 15 países europeus somados. E as Forças Armadas estão presentes na Amazônia com um efetivo de 44 mil militares, cumprindo o papel de intensificar a presença do Estado brasileiro ao longo dos 5,2 milhões de quilômetros quadrados da região, assegurando a integridade do território nacional, garantindo os interesses, os recursos naturais e a soberania brasileira. Soberania e Brasil são conceitos indissociáveis, que estão claramente fundamentados na Estratégia Nacional de Defesa: “Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da humanidade e de si mesmo, é o Brasil”.

Em muitos locais, os militares são a única presença do Estado. Temos diversas ações permanentes de proteção das nossas fronteiras, rios e do espaço aéreo. A vivência permanente na área de selva e a capilaridade das Forças Armadas em todas as microrregiões amazônicas construíram conhecimentos e capacidades militares para atender com presteza e eficácia às emergências que são esperadas em uma região com tamanhas dimensões e peculiaridades.

É inegável o interesse pelas riquezas da Amazônia. Atento a isso, o presidente Jair Bolsonaro determinou ao vice-presidente Hamilton Mourão a coordenação das ações dos diversos ministérios na região.

Nesse contexto, o senhor pode falar um pouco sobre a Operação Verde Brasil 2 e dos resultados que já aparecem?

Na Verde Brasil 2 acionamos três Comandos Conjuntos: em Cuiabá, Porto Velho e Marabá. A intenção é apoiar os órgãos de controle ambiental e de segurança pública. Empregamos, até o momento, mais de 2 mil militares, 150 viaturas, embarcações e aeronaves das Forças Armadas. Isso sem citar o efetivo das agências parceiras.

Num balanço parcial até esta quinta-feira (21), 838 veículos foram revistados; 11 embarcações abordadas; houve apreensões e fiscalizações em madeireiras, o que totalizou mais de R$ 7 milhões em multas aplicadas. Além disso, foram apreendidos 2.914,53 metros cúbicos de madeira. Houve também apreensões de caminhões, motosserras, embarcações, armamentos diversos e munições, além de drogas.

Como é a atuação do Ministério da Defesa na Pandemia do Coronavírus?

A atuação do Ministério da Defesa começou em fevereiro no resgate e quarentena de um grupo de brasileiros que estava em Wuhan, na China. Assim que o presidente Bolsonaro determinou o resgate, iniciamos também o planejamento e a preparação para o emprego das Forças Armadas no caso de o vírus chegar ao Brasil, o que acabou acontecendo. O próximo passo foi estabelecer, em todo o país, dez Comandos Conjuntos, responsáveis por fazer contato com estados e municípios e auxiliar no combate à Pandemia. Montamos uma logística de guerra contra um inimigo invisível.

Completamos dois meses de atuação desde que desencadeamos a Operação COVID-19. 30 mil militares atuam em todo o Brasil, um efetivo maior do que o empregado na II Guerra Mundial com a Força Expedicionária Brasileira. São inúmeras as ações. Entre elas, destaco transporte de materiais, insumos de saúde, alimentos; distribuição de águas e cestas básicas; produção de Equipamentos de Produção Individual e medicamentos; montagem de postos de triagem; campanhas de vacinação e conscientização da população; montagem de hospitais de campanha; desinfecção de locais públicos; patrulhamentos das fronteiras e inspeções em rios, portos e aeroportos. Isso sem contar na mobilização que fizemos junto à Base Industrial de Defesa para auxiliar com o fornecimento de materiais e insumos, produção e conserto de respiradores. Também distribuímos kits de alimentação às famílias de crianças e jovens, de todo o país, beneficiados pelos programas sociais do Ministério da Defesa, como o Forças no Esporte.

 Os insumos que viriam da Índia para a produção de hidroxicloroquina para o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército já chegaram?

É importante esclarecer que os laboratórios militares produzem cloroquina e não hidroxicloroquina. A produção de cloroquina foi intensificada por solicitação do Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro. As Forças Armadas já possuíam convênio para fornecimento desse e de outros medicamentos ao Sistema Único de Saúde. Depois de entregarmos um milhão de comprimidos, a produção foi suspensa por falta de insumos. A compra desses insumos já foi feita e eles devem chegar até o fim de maio, ou seja, da próxima semana. Com a previsão das primeiras entregas para o começo de junho. Nossa capacidade de produção é de um milhão de comprimidos por semana.

Em que fase está a parceria envolvendo os ministérios da Defesa e da Saúde no atendimento aos indígenas do extremo Norte do país?

Estamos atentos à situação e, nesta semana mesmo, uma aeronave C-105 Amazonas, da FAB, partiu de Brasília com equipe de médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas, além de duas toneladas de materiais de saúde para reforçar São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, no extremo Norte do Amazonas. Entre os equipamentos estão respiradores, desfibriladores, ventiladores pulmonares mecânicos, álcool em gel e equipamentos de proteção individual para reforçar os hospitais militares dessas duas regiões que atendem a população local composta em sua maioria por indígenas. São 733 aldeias indígenas, de 23 diferentes etnias.

Durante os últimos anos vimos que o alistamento militar não foi uma das prioridades dos governos. Qual a importância desse serviço na formação do jovem cidadão?

Além de preencher e capacitar quadros para as Forças Armadas, o Serviço Militar forma cidadãos com espírito cívico, com valores de solidariedade, justiça, princípios éticos e forte sentimento de amor à Pátria. É também uma ótima oportunidade para os jovens que querem seguir a carreira militar.

Desde sua criação há 21 anos, o Ministério da Defesa só teve dois militares no comando. Qual a importância de termos um militar liderando essa pasta, aliás, como ocorre em boa parte dos países desenvolvidos do Ocidente?

O cargo de Ministro da Defesa é essencialmente político e de confiança do Presidente da República. O ideal é que sempre seja ocupado por pessoas que conheçam o funcionamento e as peculiaridades das Forças Armadas.

*Especial para o Correio da Manhã