Por Gabriela Gallo
Nesta segunda (7), a Lei nº 11.470, conhecida como Maria da Penha, completa 17 anos. Sancionada em 2006, ela criou mecanismos para tentar reduzir os casos de violência doméstica, especialmente contra a mulher, antes que virarem feminicídio.
Em conversa com o Correio da Manhã, a vigilante Rosa Melo contou que a Lei a protegeu do seu ex-marido, da violência doméstica e de tentativas de feminicídio. Rosa, que foi casada com o pais dos seus três filhos durante 18 anos, viveu um relacionamento abusivo, marcado por violência psicológica e física.
"Eu sofri a violência doméstica, só que eu ainda não conseguia identificar o que era realmente um relacionamento abusivo dentro de um casamento. Isso começou em Minas Gerais, depois eu vim pra Brasília e as agressões físicas e as agressões psicológicas foram só piorando", contou à reportagem.
Mas romper o ciclo de violência não foi fácil. Na primeira vez em que acionou a Justiça contra seu então companheiro, após tê-la espancado, foi aconselhada a retirar a queixa até pelo então responsável do setor. "Quando ele me espancou eu fui para essa delegacia e, chegando lá, o agente veio tentar falar para mim que aquilo era 'um momento nervoso dele', que homem é nervoso mesmo. Ele estava desempregado na época, então poderia ser o motivo dele estar nervoso e que eu 'poderia pensar na minha família', recomeçar novamente.", relatou.
Mas tudo mudou quando foi para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) e a delegada que a orientou sobre como buscar ajuda na Justiça.
Em entrevista ao Correio da Manhã, a advogada especialista em Direito Penal e Processo Penal, Ana Paula Fernandes, enfatizou que uma das principais conquistas da lei é "uma maior conscientização sobre a violência contra a mulher, levando a um aumento das denúncias e a visibilidade do problema".
"Tivemos melhorias no sistema de atendimento às vítimas, com a criação de delegacias especializadas, os juizados de violência doméstica, e as casas-abrigo. O aumento das penas para os agressores e a adoção de medidas protetivas de urgência são fundamentais para romper o ciclo de violência e assegurar a proteção e os direitos dessas vítimas", destacou a advogada.
Perseguição
Mesmo com a medida protetiva, Rosa contou que passou dois anos sendo perseguida por seu agressor. "Durante dois anos foi aquela perseguição. Foi uma tribulação muito complicada, ele usava tornozeleira eletrônica, mas mesmo assim não respeitava a medida. Quando ele tentava se aproximar, eu era avisada pelo monitoramento e eu acionava novamente a segurança".
Ela também contou que foi vítima de tentativa de feminicídio. Seu ex-marido tentou botar fogo nela, enquanto estava com seus três filhos. "Ele colocou fogo em um carro que estava encostado na porta da minha casa. E eu não conseguia sair com as crianças porque não dava para eu abrir a porta. E lá também tinha mais um veículo que estava queimando o teto da garagem e o meu telhado. Se não fosse primeiramente Deus, juntamente com os vizinhos que foram aliviando o fogo até os bombeiros chegarem, a gente não teria sobrevivido", lembra.
Mas, apesar dessa perseguição, a vigilante disse que sempre foi bem atendida pela Lei Maria da Penha e que, toda vez que precisava acionar as medidas, os policiais atuavam para ajudá-la.
Além da violência física
A advogada Ana Paula Fernandes enfatizou que, a violência contra a mulher vai muito além da violência física e alguns sinais dão início para esses casos não serem ignorados.
"O controle excessivo do parceiro tentando controlar as atividades da mulher, ciúmes excessivos e infundados que podem levar a acusações e suspeitas constantes, quando o parceiro tenta afastar a mulher de familiares e amigos, já podemos acender uma luz vermelha", pontou.
Outros pontos importantes são "controle financeiro, humilhação e desprezo à mulher que é dependente econômica".
"É importante que as mulheres fiquem atentas a esses sinais, e caso percebam qualquer algo ou a violência propriamente dita, que busquem apoio de familiares, amigos e organizações de apoio e denunciem às autoridades", disse a advogada.
Na época, Rosa era dependente financeira do seu marido. Mas quando conseguiu acionar a Justiça, passou a vender suspiros para sustentar os filhos. "Eu comecei a vender os doces na delegacia. E com esse dinheiro eu fui juntando para fazer um curso que eu sonhava muito, que era trabalhar de vigilante. Até mesmo o agressor não me deixava fazer o curso porque ele disse que 'não era pra mulher'. Só que eu corri atrás do meu sonho. Vendi os doces, juntei o dinheiro, fiz o curso, passei, fui chamada na empresa e hoje tem três anos que eu trabalho na área de vigilante", contou.
Denuncie
Para combater os casos de violência doméstica, o primeiro e principal passo é denunciar o caso. Para a especialista em direito penal, "é essencial conscientizar e encorajar as vítimas a denunciarem os casos".
"A luta contra a violência de gênero é continua. É importante que a sociedade como um todo se mobilize, incluindo governos, instituições, organizações da sociedade civil e a população em geral", disse a advogada.
Rosa destaca a importância de as mulheres não retirarem a denúncia contra seu agressor. "Registre a ocorrência. Não retire, continue o processo porque esse tipo de homem não muda. Eu vejo muita mulher perdendo a vida porque ela registrou a ocorrência, colocou medida protetiva, aí depois o cara aparece, pede desculpa, pede perdão, fala que ama. Mas isso é uma ilusão. O que vai acontecer é ele matar a mulher. Essa questão aí que vai mudar e vai ficar tudo bem, não existe. Eu passei por isso", enfatizou.
É possível denunciar casos de violência contra a mulher através do telefone 180 para todo o Brasil. Em outros casos, também é possível abrir um processo na delegacia mais próxima da sua cidade, especialmente nas Deam, que agora atendem 24 horas por dia, sete dias por semana, incluindo feriados.