Novo modelo de coalizão deixa governo mais refém

Arthur Lira quer agora Caixa Econômica de porteira fechada

Por Rudolfo Lago

Pela visão de Lira, o presidencialismo previsto pela Constituição e referendado em 1993 é um biombo de um parlamentarismo que não ousa dizer o próprio nome

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo publicada na segunda-feira (18), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explicitou o jogo político com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Depois de obter o Ministério do Esporte, dado a André Fufuca, o PP agora espera a Caixa Econômica de porteira fechada, ou seja, com todas as suas 12 secretarias. Segundo Lira, esse teria sido o acordo feito. Que incluiu também o Ministério de Portos e Aeroportos e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para o Republicanos. Com isso, diz Lira, os dois partidos hoje integrariam a base do governo, que parecia a girar em torno de 350 deputados favoráveis.

“Ninguém conhece o parlamento tanto quanto Arthur Lira, eleito por mais de 90% dos seus pares”, comenta o cientista político Antônio Lavareda, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). “Se ele diz que a base do governo agora é essa, não se deve duvidar”.

A questão é quanto à solidez dessa base. Isso significa que o governo Lula tem agora tranquilidade para fazer valer sua agenda no Congresso? “Dependerá da agenda”, considera Lavareda. “O governo não deverá ter dificuldades para aprovar pautas da sua agenda econômica. Mas, se entrar em questões de valores morais, que ataquem princípios mais conservadores, a facilidade já não será mais a mesma”. Ou seja: a facilidade será sempre maior se as pautas tiverem alguma coincidência de interesses com o que pensam alguns dos financiadores de boa parte dos deputados, no empresariado e no mercado financeiro. Mesmo assim, porém, com um preço alto como contrapartida.

Bandeira 3

“No caso das pautas econômicas, é já essa negociação na bandeira 2. Se entrar em pauta de costumes, aí já é na bandeira 3”, considera o cientista político André Cesar, da Hold Assessoria. André Cesar refere-se aos taxímetros dos táxis que, em corridas mais distantes, passam a operar na bandeira 2, que torna as corridas mais caras.

E, para André Cesar, o jogo normal feito pelo grupo que hoje domina o Congresso, especialmente a Câmara, já é mais caro. Cargos e verbas orçamentárias na negociação a cada momento. “No fundo, o governo vê-se obrigado a negociar caso a caso. A base de 350 deputados mencionada por Lira não é uma base automática”, considera o cientista político.

Quarta coalizão

Lavareda observa que a articulação que levou ao ingresso do PP e do Republicanos é já a quarta coalizão acertada com Lula desde a candidatura no ano passado. A primeira coalizão foi a que uniu o PT a seus aliados tradicionais de esquerda, como PSB e PCdoB. E que já trouxe desde o início como novidade a adesão do hoje vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, um ex-adversário retirado do PSDB para o PSB. A segunda coalizão montou-se no segundo turno, quando outros grupos políticos aderiram para derrotar Jair Bolsonaro. É o caso do MDB, com a ministra do Planejamento, Simone Tebet. A terceira coalizão deu-se no final da transição, quando Lula somou à sua base o União Brasil e o PSD. Agora, com PP e Republicanos, tem-se a quarta montagem.

“Certamente, esse não é o modelo mais normal”, observa Lavareda. Para o presidente do Ipespe, coalizões políticas numa democracia são mais do que normais, são obrigatórias. “Mas elas devem se dar no tempo das eleições. No Brasil, é diferente. Um tipo de coalizão menos ideológica, mais pragmática, que se dá por causa desse modelo de eleição proporcional”, considera Lavareda. “Onde o eleitor sabe o que o deputado que elege fará no município, mas não tem a menor ideia de como ele se comportará no plano nacional”.

A consequência desse tipo de coalizão é que as bases de que o governo dispõe são mais fluidas. Movem-se de acordo com as conveniências. Se o governo dá certo e é popular, mantém-se fortes. Se o governo tem queda e se torna impopular, essa base o abandona mais facilmente. E é uma base mais movida pelos interesses paroquiais, de cargos e verbas.

Diferente

Para André Cesar, o modelo de coalizão implementado na relação com Arthur Lira agora é diferente de tudo o que se viu anteriormente. “Muito distinto do que se viu nos dois governos Lula anteriores, no governo Dilma e no governo Michel Temer”, observa, excetuando o governo Bolsonaro, onde a relação entre Executivo e Legislativo deu-se em parâmetros diferentes. “No fundo, talvez fosse mais correto dizer que a base é de Lira, não de Lula”.

“As regras são de Lira”, completa André Cesar. Para o cientista político, a essa altura Lula já “está sabendo jogar” de forma mais consciente. “Lula já parece ter percebido como são as regras colocadas por Lira, e vai se adaptando a elas”.

Assim será pelo menos até o final do mandato de Lira. Mas talvez prossiga mesmo depois. “Não há dúvida de que o processo de sucessão passará por Arthur Lira. Lula não terá forças para eleger depois um presidente da Câmara que totalmente se oponha a Lira e ao seu modelo”, considera André Cesar.