Espionagem da Abin agitará semana em Brasília

Agência monitorou mais de mil jornalistas, advogados e até ministros do STF

Por Ana Paula Marques e Murilo Adjuto

Invesigação de arapongagem abriu crise na Abin

Quem foram os alvos da arapongagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre dezembro de 2018 e 2021, quando estava à sua frente o hoje deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ)? A resposta a essa pergunta poderá ser dada esta semana, na sequência das investigações da Operação Última Milha, da Polícia Federal (PF), Na sexta-feira (20), a PF cumpriu 25 mandatos de busca e apreensão e prendeu dois servidores suspeitos de operarem o esquema de espionagem, que, segundo a polícia, teve como alvos preferenciais desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais de mil jornalistas, advogados e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teriam sido espionados.

O nome da operação é uma referência ao aparelho de espionagem utilizado pela Abin, o Fist Mile (Primeira Milha), de fabricação israelense. A ferramenta permite rastrear os dados de GPS de qualquer pessoa pelas redes de comunicações que os celulares transmitem para as torres de telecomunicação. Ou seja, o sistema permitia que se soubesse a exata localização em tempo real do dono do aparelho de celular rastreado. De que ponto para onde ele se deslocava.

Por exemplo, se o araponga desejava saber se determinado ministro do STF estava a caminho ou já tinha chegado à Corte, o sistema indicava. Se houvesse alguma desconfiança de que algum político aliado estava se encontrando com líderes da oposição, o sitema tiraria a dúvida. Se alguma autoridade do governo conversava ou passava informações para determinado jornalista, o First Mile também responderia à pergunta.

Em um sistema democrático, não cabe a nenhum organismo do governo espionar seus cidadãos. Monitoramentos de telefones só podem ser feitos por autoridades policiais com autorização da Justiça dentro de investigações com propósito bem determinado. Mesmo a polícia não pode monitorar pessoas indiscriminadamente. Nada disso houve nesse caso.

Além disso, a tarefa da Abin não é fazer espionagem. Ela é um organismo de inteligência. Ou seja, com base na análise de dados, fornece ao governo cenários sobre determinadas situações. Emite alertes.

Diante, portanto, da total ilegalidade do que foi descoberto na investigação policial, dois servidores suspeitos de envolvimento com o esquema foram presos e a PF ainda cumpriu também 25 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.

Crise

A operação colocou em crise a agência, que disse estar colaborando com as autoridades, inclusive cumprindo as decisões judiciais que determinaram o afastamento de servidores. A crise se instalou especialmente porque um dos presos, Paulo Maurício Fortunato Pinto, era homem de confiança do atual chefe da Abin, o delegado da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa.

O fato de Paulo Maurício ser alguém com ligações com o governo anterior foi um dos fatores que fez com que demorasse dois meses a sabatina de Luiz Fernando na Comissão de Relações Exteriores e Segurança Nacional do Senado, onde o indicado tem de ser questionado e aprovado. Os senadores queriam entender por que o chefe da Abin queria ter ao seu lado auxiliares bolsonaristas.

A Abin declara não fazer mais uso do sistema de espionagem desde 2021. Em nota, a agência descreve que, em 23 de fevereiro, um processo interno feito pela Corregedoria-Geral apontou detalhes do uso do sistema desde dezembro de 2018, finalizado em 2021.

Sem nenhum protocolo oficial ou autorização judicial para monitoramento, o sistema foi usado até o final dos primeiros três meses do governo Bolsonaro. O aparelho foi adquirido ainda na gestão de Michel Temer, por R$ 5,7 milhões, sem licitação. Começou a ser usado em dezembro de 2018, quando Bolsonaro já estava eleito e estava a um mês de tomar posse.

Além das prisões, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou o afastamento de outros quatro servidores da Abin. A apuração do caso começou em março como parte do inquérito das fake news.

Santos Cruz

Segundo a PF, o filho do general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro do governo Bolsonaro, teria participado da intermediação da venda do programa da empresa israelense Cognyte, com o governo brasileiro.

Santos Cruz se tornou ministro-chefe da Secretaria de Governo em 2019. Porém, depois de seis meses deixou o governo, após desentendimentos com a ala radical do bolsonarismo no Planalto. Depois disso, ele passou a ser um crítico do governo.

Crimes

Segundo o advogado criminalista e sócio do Cantelmo Advogados Associados, Berlinque Cantelmo, a utilização das plataformas espiãs pode redundar em associação criminosa e violação do sigilo funcional, dentre diversos outros crimes, “inclusive contra o estado democrático de direito”, explica.

Os investigadores tentam descobrir também se outros sistemas podem ter sido utilizados em conjunto para acessar os dados extraídos dos alvos do sistema de espionagem First Mile.

Para não deixar vestígios, os servidores que estão sendo investigados pela polícia, apagaram dos computadores a grande maioria dos acessos. Até a sexta-feira, a Polícia Federal conseguiu levantar apenas cerca de 1,8 mil dos 33 mil acessos ilegais.