A presença das Forças Armadas no combate à entrada no país de armas e entorpecentes, a partir da decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), não eliminará o trabalho que já fazem nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo a Receita Federal e a Polícia Federal. Quem assegura é o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, em entrevista exclusiva ao Correio da Manhã. Segundo Cappelli, a presença militar nos portos e aeroportos tem o propósito de reforçar esse trabalho. O que rotineiramente já fazem os fiscais da Receita e a Polícia Federal continuará sendo feito.
“As Forças Armadas entram nesse esforço, mas isso não quer dizer que os demais profissionais e suas instituições que já fazem isso serão afastados”, disse Cappelli. As explicações são decorrência de uma nota divulgada na quinta-feira (2) pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional). Na nota, o sindicato critica o modelo indicado na decretação da GLO, acentuando que ele poderia vir a reduzir a participação da Receita e da PF, que atuam na fiscalização da entrada ilegal de armas e drogas nas aduanas do país.
“O esforço conjunto na luta contra o crime organizado (...) não pode prescindir da Receita Federal do Brasil e de suas autoridades fiscais”, diz a nota do Sindifisco. “A Receita Federal é a instituição mais aparelhada, treinada e capacitada para identificar os fluxos financeiros do crime organizado, tenso sido a instituição que mais apreendeu cocaína nos últimos cinco anos, totalizando cerca de 200 toneladas. É sabido que a droga é um dos principais produtos que sustenta financeiramente as organizações criminosas”, prossegue o Sindifisco Nacional. A nota ainda reforma a importância da Polícia Federal nesse trabalho. E conclui: “Para a realização deste trabalho, é importante que ela [Receita Federal] esteja equipada e em condições de atuar, o que exige a reversão do desmonte que sofreu nos últimos governos e a efetiva valorização de suas autoridades ficais”.
Reação corporativa
Para Ricardo Cappelli, a nota foi uma “reação corporativa” para algo que não há risco na prática. “As corporações costumam ser muito ciosas dos seus espaços. Mas esses espaços não estão sendo invadidos”, afirmou.
Cappelli informou ao Correio da Manhã que, na sexta-feira (3), entrou em contato com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, para assegurar pessoalmente que não haverá qualquer risco de que os militares invadam atribuições dos fiscais da Receita nos portos e aeroportos. “A Receita continuará fazendo o seu papel. Do mesmo modo, a Polícia Federal”, disse ao Correio.
Melindre
Segundo Cappelli, o objetivo principal pretendido na GLO é aumentar a presença física de efetivo nos pontos de entrada de drogas e armamentos. Militares ainda atuarão dando suporte de inteligência e logística. Serão, segundo o secretário-executivo, as “autoridades de segurança” nesses locais.
A tarefa, portanto, de fiscalização de bagagem, caixas, contêineres, enfim, todo o trabalho rotineiro que já é feito normalmente nos portos e aeroportos prossegue com os profissionais que já fazem isso. “É uma experiência nova, que, acreditamos, trará resultados efetivos”, disse o secretário-executivo do Ministério da Justiça.
“Nosso problema não é o melindre de um ou de outro”, reagiu Cappelli. “Nosso problema é enfrentar o crime organizado”, reagiu.
Ao Correio, o presidente do Sindifisco Nacional, Isac Moreno Falcão, disse que a nota do sindicato não tinha qualquer propósito de natureza corporativa. Mas era somente um alerta quanto à organização dos trabalhos nos portos e aeroportos. "O secretário Cappelli tem razão ao dizer que nada deve mudar na rotina de fiscalização", disse Isac. "Esta semana, vamos, então, procurá-lo no sentido de pedir que se esclareça muito bem quais serão os papeis de cada um". Isac afirma que a sua preocupação está relacionada com a necessidade da observância de regras de comércio externo, que são muito restritas, e precisam ser bem observadas (veja mais detalhes sobre os alertas de Isac Falcão no Correio Político desta segunda-feira, 6).
Polícia Federal
Citada na nota do Sindifisco, a Polícia Federal parece enxergar a GLO decretada com mais tranquilidade. “Na PF, está tranquilo. Enxergamos que haverá uma maior presença de segurança no local, o que é bom. E nós prosseguiremos com as fiscalizações que já vêm sendo feitos”, disse ao Correio o diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck. “As Forças Armadas não estão entrando nas atribuições da Polícia Federal ou da Receita Federal”.
Apesar dessa compreensão, porém, Werneck tem dúvidas sobre a eficiência da GLO decretada para um combate definitivo das ações do crime organizado. “Nós, enquanto representantes da categoria de policiais federais, entendemos que é mais do mesmo”.
Na avaliação de Werneck, o reforço eventual das Forças Armadas ao ser decretada uma GLO não resolve os problemas estruturais que justificaram essa decretação. “Quando se decreta uma GLO, o que se está dizendo é que a estrutura de segurança não está funcionando a contento”, avalia. “Então, se cria um reforço momentâneo por um tempo. Mas depois, quando se sai, o problema retorna, porque a solução estrutural necessária não foi dada”. Foi assim, segundo ele, nas ocasiões anteriores em que se valeu da GLO como ferramenta.
“Se estruturalmente não identificamos e não atacamos o que precisa ser atacado, a questão não será resolvida”, conclui. Nesse ponto, Werneck concorda com o Sindifisco: a solução só virá com maior aparelhamento e reforço nos efetivos das corporações.