Lula e os desafios de um país divido em três

Em um ano eleitoral, governo precisará fazer entregas que impulsionem a economia

Por Rudolfo Lago e Murilo Adjuto

Lula enfrenta os desafios de governar um país dividido

É um país literalmente dividido em três grupos. Há uma parte que defende e aplaude o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outra parte praticamente do mesmo tamanho segue próxima do ex-presidente Jair Bolsonaro e rejeita Lula e o atual governo. A terceira parte oscila entre o primeiro e o segundo grupos.

Isso ficou claramente demonstrado por uma pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em dezembro. Segundo a pesquisa, aprovam o governo Lula 38% dos brasileiros. Consideram o governo ruim ou péssimo 30%. E o apontam como regular outros 30%. Um país dividido em três.

Muito provavelmente, as dificuldades vividas por Lula para ampliar a base de aprovação em seu terceiro mandato estão diretamente relacionadas aos desafios que lhe foram impostos desta vez. A divisão do país reflete-se nas relações políticas entre o poder Executivo liderado por um partido de esquerda e um Congresso eleito majoritariamente conservador. O trabalho de arrumação da casa fez com que Lula tivesse de adiar a maior parte das suas entregas, especialmente nas obras de investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o ano que vem.

Melhora

De qualquer modo, o governo comemora avanços obtidos na economia. A inflação deve fechar o ano em 4,66%, dentro do intervalo da meta. O Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer, fechando em 2,85%. A taxa de juros, a Selic, vem sendo reduzida e deve fechar em 12,25%. Começou o ano em 13,75%.

O governo colecionou vitórias importantes no Congresso. A maior delas foi a aprovação da reforma tributária. Embora a reforma preveja um período longo de transição até 2033, e ainda seja necessária a aprovação das leis complementares que a regulamentarão, a aprovação e promulgação da emenda à Constituição já sinaliza uma melhora no ambiente de negócios, que o governo comemora. Também houve a aprovação de projetos que melhorarão a arrecadação do país, como a taxação dos investimentos em offshores (o imposto dos super-ricos) e das apostas bet. A maior derrota nesse sentido foi a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, que o governo tenta agora reverter (leia mais na página 6).

Centrão

O primeiro ano do governo de Lula foi marcado por duas características distintas que, de certa forma, resumem e definem esse período. Em primeiro lugar, foi baseado na promessa de um início de governo para reconstrução. Em segundo, apesar de ter conseguido aprovar projetos importantes, o governo enfrentou desafios significativos no diálogo com o Congresso Nacional, revelando dificuldades em pautar suas propostas.

As vitórias obtidas acabaram acontecendo à custa de muita negociação e cessão de nacos de poder e dinheiro ao Centrão, o grupo comandado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Lula teve de ceder. A primeira sacrificada foi a deputada Daniela Carneiro (União-RJ), defenestrada para abrir espaço ao primeiro indicado do Centrão, o atual ministro Celso Sabino. Depois, mais dois ministérios para o grupo, com a entrada de André Fufuca nos Esportes e Silvio Costa Filho em Portos e Aeroportos. E, finalmente, Carlos Vieira na presidência da Caixa Econõmica Federal. O Centrão agora ainda espera o cumprimento da promessa de entrega das 12 vice-presidências do banco.

Especula-se que uma nova reforma ministerial venha a ser feita agora no início de 2024.

Obras

Começará, então, uma corrida contra o tempo para que o governo venha a conseguir entregar os R$ 54 bilhões em obras do PAC que estão previstos no orçamento. Que concorrerão com valor quase igual destinado à liberação de emendas parlamentares: R$ 53 bilhões.

Na última reunião ministerial de 2023, em dezembro, Lula cobrou dos ministros a presença maciça nessas entregas. Elas serão, no entendimento do governo, fundamentais para o desafio eleitoral de outubro de 2024.

Se o governo, com o PT e seus parceiros, estima eleger mil prefeitos, essa também é a estimativa do PL, o principal partido de oposição, comandado por Valdemar Costa Neto e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Lula sabe que eleitoralmente sempre funciona a mesma máxima. Eleitor satisfeito com a economia e com seu bolso, normalmente vota no governo. Eleitor insatisfeito vota na oposição. Há um exemplo radical disso na divisa sul do país, mais precisamente na Argentina de Javier Milei.