O Senado Federal voltou a discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 03/2022, que transfere os chamados terrenos de Marinha – ou seja, áreas litorâneas da União – para governos locais, além de conceder a possibilidade da iniciativa privada comprar o espaço. Nesta segunda-feira (27), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado realizou uma audiência pública para discutir e buscar esclarecer o tema. A audiência foi convocada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que é contrário à medida.
A proposta da medida exclui o inciso VII do artigo 20 da Constituição, que afirma que os terrenos da Marinha são de propriedade da União, transferindo gratuitamente para os estados e municípios “as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos”. Atualmente, a Marinha detém a propriedade de praias, margens de rios e lagoas onde há a influência das marés.
O texto, de relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), declara que as áreas que atualmente são usadas pelo serviço público federal, as unidades ambientais federais e as áreas ainda não ocupadas permanecerão como propriedade da União. Já no caso dos proprietários da iniciativa privada, o texto prevê a transferência mediante pagamento para as pessoas inscritas regularmente “no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação” da Emenda à Constituição.
O relator senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirma que a proposta visa oferecer segurança jurídica às pessoas que moram no litoral. “O cidadão tem que pagar tributação exagerada sobre os imóveis em que vivem: pagam foro, taxa de ocupação e IPTU. Já os municípios sofrem restrições ao desenvolvimento de políticas públicas quanto ao planejamento territorial urbano em razão das restrições de uso dos bens sob domínio da União”, afirmou.
Praias
A PEC foi alvo de críticas por trazer a preocupação de uma possível privatização de praias brasileiras. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que foi relator do projeto na Câmara dos Deputados, participou por videoconferência da sessão e negou que a PEC visa a privatização das praias, alegando que o texto não cita essa possibilidade.
Em resposta, o deputado federal Túlio Gadêlha (REDE-PE) disse que, apesar de o texto não explicitar a privatização de praias, abre margem para impedir, ou pelo menos dificultar, o acesso da população às praias, especialmente em terrenos que possam ser adquiridos pela iniciativa privada.
Pouco antes da audiência, o relator da proposta negou as afirmações e disse que as praias seguirão sendo públicas. “Esta PEC trata de terrenos que já estão ocupados. Portanto, muitas ocupações irregulares acabam não preservando o meio ambiente, jogando esgoto a céu aberto. Mas quando a pessoa tem a propriedade desse bem, ela vai cuidar melhor, vai poder ser autuada pelo município para receber saneamento básico regular”, defendeu Flávio Bolsonaro.
Impactos ambientais
Mas além da questão social acerca do acesso às praias, ambientalistas alertam sobre os impactos ambientais da privatização dessas áreas litorâneas.
Durante a sessão, a senadora Leila Barros (PDT-DF) pediu para que o projeto também fosse discutido na Comissão de Meio Ambiente (CMA) no Senado antes de ser votado nas demais comissões da Casa. A medida não foi descartada pelos parlamentares presentes na sessão, mas ainda não foi agendada uma data para a CMA debater o assunto.
Ao Correio da Manhã, o diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann destacou que, do ponto de vista ambiental, se a medida que flexibiliza as leis ambientais for aprovada, ela pode resultar em um aumento no desmatamento dessas regiões.
“E nesse caso nós estamos falando de trechos extremamente raros de restinga e bioma mata atlântico, que hoje é um dos biomas com menor índice de proteção de todos. Então, a partir de um projeto irresponsável como esse, é possível inclusive prever a perda definitiva, a extinção, de espécies vegetais e animais”, destacou o ambientalista.