O Brasil perdeu 1.829.597 hectares de vegetação nativa em 2023, segundo dados do Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2023) do MapBiomas. A boa notícia é que nos últimos cinco anos a devastação da Amazônia caiu 62,2%, mas os números só diminuíam de forma significativa no ano passado, segundo os dados. Em 2022, o desmatamento era de 1,2 milhões de hectares. Já em 2023, caiu para 454.271 hectares.
Já a má notícia é que nos últimos cinco anos o desmatamento do Cerrado subiu 67,7% e agora, se tornou o bioma mais desmatado do Brasil. É a primeira vez que a Amazônia não ocupou a primeira colocação nesse ranking, no quinto ano consecutivo em que o levantamento é realizado. A área desmatada no Cerrado equivale a 61% de todo o desmatamento registrado no país em 2023. Foram mais de 1,1 milhão de hectares devastados, uma área que equivale duas vezes ao território do Distrito Federal.
Apesar de os números gerais de desmatamento demonstrarem queda de 11,6% na taxa de desmate do país ante os dados do ano passado, segundo o estudo, 93% da área desmatada no Brasil em 2023 teve pelo menos um indício de ilegalidade.
Cerrado
No Cerrado está o maior alerta de desmatamento do país: 6.691 hectares em Alto Parnaíba, no Maranhão. Além disso, o recorde de maior velocidade média diária de desmatamento também é apontado no bioma, com 944 hectares em oito dias registrado em Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí.
Outro dado alarmante é que o território indígena mais desmatado também está no Cerrado: Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, que fica no Maranhão, com 2.750 hectares. O desmatamento em territórios indígenas no Cerrado aumentou 188% em relação ao ano de 2022.
Um dos motivos para os números, de acordo com as análises dos especialistas do MapBiomas,é o crescimento do agronegócio, em especial em Matopiba, região predominantemente de Cerrado formada pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, estados fortes na pecuária e agricultura, desde a década de 1980.
Estados desmatados
Dos quatro estados, Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí, o último foi o único com redução nas áreas devastadas, enquanto Maranhão disparou na devastação, com uma perda de 95,1% de vegetação nativa nos últimos cinco anos, transformando-se no estado com o maior desmatamento do Brasil.
Em seguida aparecem dois estados que também tiveram números altos de desmatamento, a Bahia com 290,6 mil hectares e Tocantins com 230,2 mil. Os quatro estados correspondem por aproximadamente 10% da produção de grãos e fibras no país, com destaque para soja, milho e algodão.
Motivos
Para Patrícia Silva, ambientalista e assessora em políticas públicas do Instituto Sociedade, População e Natureza, o motivo para o Cerrado se tornar alvo para o desmatamento é a atenção que a Amazônia recebe. “Com algumas restrições que a Amazônia tem, inclusive por acordos internacionais e por toda a visibilidade que a Amazônia tem, o Cerrado fica sendo a zona de sacrifício. Então, o desmatamento que poderia ocorrer na Amazônia migra para as regiões do Cerrado”, explica.
Para a especialista, o Cerrado é um bioma alto em riqueza de biodiversidade e com uma alta pressão sobre os recursos naturais. E quanto maior o desmatamento, menor a evapotranspiração, portanto diminui a quantidade de chuva, e isso é uma contradição, porque é justamente de chuva que as plantações e a agricultura precisam, especialmente no Cerrado, que possui uma intensa produção de commodities, especialmente soja e milho.
“É uma região de extrema biodiversidade e de espécies que são endêmicas, que só existem nesses lugares. Fora isso, uma riqueza sociocultural com inúmeros segmentos de povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e outros. Uma gama de elementos que tornam o Cerrado muito importante para a proteção da riqueza da socio-biodiversidade brasileira”, disse.
Patricia Silva ainda relembra o poder das políticas públicas no desmatamentos. Para ela, o Congresso Nacional, nos últimos anos, tem flexibilizado normas ambientais que afetam diretamente nos números divulgados. “ Os parlamentares têm patrocinado nos último anos uma gama de projetos nefastos para o meio ambiente. Por exemplo, o projeto de lei do Marco Temporal das terras indígenas foi aprovado no Legislativo, e os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram derrubados na matéria. E ainda existem outros projetos que visam avançar nessa agenda, um pacote de destruição. Um desses projetos, por exemplo, flexibiliza as regras das normas de regularização fundiária”, diz ela.