Por: Gabriela Gallo

Enterrado em 2016, Lira quer votar projeto de delação premiada

Arthur Lira pode criar novos problemas para o governo | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

A semana começa movimentada na Câmara dos Deputados. O plenário da Casa deve votar em regime de urgência um projeto de lei que limita as delações premiadas, vetando a possibilidade do artifício para pessoas que já estão presas. O tema foi proposto em 2016 pelo ex-deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), que atualmente é Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e foi desenterrado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Os propósitos em torno da proposta de Damous em 2016 e o seu retorno agora são, obviamente, bem diferentes.

Na época em que o projeto foi proposto, a ideia de Wadih Damous era tentar limitar as delações na Operação Lava Jato, na intenção de proteger colegas petistas. Naquele momento, avizinhava-se o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que aconteceu em dezembro daquele ano, e toda a evolução que acabou levando depois à condenação e prisão do atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci negociava uma delação premiada.

Agora, caso a medida seja aprovada no Congresso Nacional, a ideia é beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nos próximos dias o ex-presidente deve ser indicado pelos casos envolvendo vendas de joias dadas de presente ao governo brasileiro e a fraude no cartão de vacinação contra a Covid-19. A maioria das acusações contra Bolsonaro, nesses casos e nos demais em que é investigado, decorrem da deleção premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro vem sendo a principal fonte contra o ex-presidente pelo sistema de delação premiada, que negociou após ser preso.

A delação premiada é um acordo entre o acusado e o Ministério Público, como representante do acusador. O acusado, na condição de delator, contribui com as investigações policiais ao abrir mão do seu direito ao silêncio e oferecer informações de conhecimento dele que possam ajudar na investigação do caso. A medida é usada como uma moeda de troca para oferecer uma vantagem ao delator, geralmente com redução de pena.

Mudanças

Apesar de o projeto base ser o do PT, Arthur Lira destacou que, na verdade, o requerimento de urgência se refere à proposta do deputado federal Luciano Amaral (PV-AL), autor de outro projeto sobre o tema, apresentado em 2023. O texto do conterrâneo de Lira segue a linha proposta por Wadih Damous de vedar a delação quando o investigado está preso preventivamente, mas é menos abrangente do que a proposta do petista.

A proposta encaminhada por Luciano Amaral determina que a "recuperação total ou parcial" dos proveitos obtidos pela organização criminosa deixe de ser uma das razões pelas quais um acordo de colaboração possa ser firmado. Portanto, a delação passaria a ser um ato "voluntário".

E na avaliação do projeto de lei de Luciano Amaral, delações de pessoas que já estão presas não são enquadradas como atos "voluntários”. Isso porque, para o projeto, não há espontânea vontade quando a pessoa está privada de liberdade já que o preso está em uma “situação de vulnerabilidade e desequilíbrio".

Negociação

Juristas argumentam que, mesmo se o atual texto seja aprovado, ele não atingiria acordos já firmados com a polícia, como é o caso de Mauro Cid, tampouco anularia processos de delações premiadas com detentos anteriormente. No entanto, Arthur Lira anunciou que o texto pode ser alterado, vetando de fato possíveis alterações de Cid.

A proposta desenterrada induz a uma aliança entre Lira e o Centrão com o Partido Liberal (PL), a maior bancada da Câmara. Se efetivada essa aliança, Lira terá maior poder quanto ao parlamentar que irá sucedê-lo na presidência da Casa. Se essa aliança se efetivar, as chances do governo federal aprovar pautas de interesse do Executivo, que hoje já são complexas, serão muito baixas. Dessa forma, a votação do projeto será um instrumento de pressão para negociar com o governo, obrigando-o a ceder às eventuais exigências de Lira.

A proposta ainda deixa os representantes do governo no Congresso em uma “saia justa”, visto que a ideia surgiu do próprio Partidos dos Trabalhadores para outro alvo. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), declarou que tentará negociar um adiamento da votação do projeto na Casa. No entanto, os líderes do governo demonstram-se divididos com a proposta.

Em entrevista à GloboNews, o ex-deputado Wadih Damous criticou o momento em que Lira escolheu para pautar o projeto. “Eu defendo o mérito do projeto, mas não há cabimento emprestar regime de urgência. Qual é a urgência de um projeto que estava engavetado há quase 10 anos?”, questionou o secretário do Consumidor.