Por: Ana Paula Marques

Com polêmica, Flávio ameniza PEC das Praias

Flávio altera texto para tentar reduzir polêmica | Foto: Pedro França/Agência Senado

Com um texto envolto em polêmicas diante da suspeita de alguns de que visa fazer a "privatização" de praias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) resolveu incluir na Proposta de Emenda a Constituição (PEC) de sua autoria, chamada de PEC das praias, um artigo que cita as faixas de areia como "bens públicos de uso comum”. Seria uma forma de amenizar a reação à proposta, reduzindo as desconfianças.

Apesar de ainda não ter sido oficialmente alterada, o senador já declarou que tem a redação de como vai ficar o trecho para rebater críticas sobre a possível tentativa de privatizar as praias brasileiras.

“As praias são bens públicos de uso comum, sendo assegurado o livre acesso a elas e ao mar, ressalvadas as áreas consideradas de interesse de segurança definidas em legislação específica”. Segundo Flávio Bolsonaro, essa deve ser a inserção ao texto, como forma de deixar claro que a intenção, ao fazer a venda dos terrenos de Marinha, não seria fechar o acesso às praias. Flávio Bolsonaro também deve incluir, ainda, um parágrafo único que deve em tese resguardar os limites das áreas. “Não será permitida a utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias”.

O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e está em discussão no Senado Federal. Flávio Bolsonaro disse que deve fazer mais três alterações na PEC antes do envio do parecer final à Casa, o que, na prática, significa que, mesmo se aprovado no Senado, o texto deve voltar à análise dos deputados. Na regra de tramitação de propostas de emenda a Constituição, se o texto original for alterado, deve retornar à outra Casa.

Imagem abalada

Segundo um levantamento do site UOL, o senador Flávio Bolsonaro é citado em 48% dos posts sobre a privatização das praias. A maioria das menções negativas associa o senador à atuação para autorizar empreendimentos que impediriam o acesso da população a determinados trechos do mar.

Segundo o levantamento, 7 de 10 publicações postadas do X (antigo Twitter) mencionam que praias serão privatizadas e no Instagram 7 das 10 publicações com mais interações são contrárias a Flávio.

Manifestação

Apesar de ter nascido nas linhas da internet, as manifestações contra a PEC ultrapassam os algoritmos e as paredes das redes. No último domingo (9), por exemplo, manifestantes protestaram contra a PEC na praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Eles seguravam cartazes contrários ao texto e gritaram frases como “a praia é do povo”.

Os manifestantes também recolheram assinaturas contra a proposta e isolaram uma parte da areia com fita preta e amarela para simular uma “privatização” da praia.

Derrubada

Para o cientista político e diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, a alteração não resolve o principal problema da PEC. “Hoje em dia, em diversos países, a faixa de areia ser domínio público não garante o acesso, porque para ser pública você tem que poder acessá-la. Não existe uma regulação clara e o princípio do texto é de privatização”, disse.

O texto da PEC em si não cita efetivamente as praias ou sua privatização. Trata somente dos chamados terrenos de Marinha, que são terrenos de propriedade da União e áreas à beira-mar que ficam a 33 metros do ponto mais alto em que chega a maré ao longo da costa e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Porém, a discussão que se criou foi que, com a venda desses terrenos, quem os comprasse poderia impedir a entrada do público à praia ao isolar esses locais somente para clientes.

Um exemplo sobre o assunto, segundo o especialista, é a Praia dos Carneiros em Pernambuco, “Lá, vemos o acesso público, as passagens de servidão, interrompidas com entulho, com sinalizações de obra, reparos, podas mal feitas. Ou seja, é uma precarização constante e progressiva que já se encontra hoje em curso, mesmo fora da lei. O que essa PEC quer é oficializar todo um processo de exclusão da população que, na prática, já existe em alguns lugares do Brasil”, explica.

Para o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, a PEC afronta o artigo 225 da Constituição Federal que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

“Mesmo com o trecho alterado pelo relator, o problema continua, pois mantém o acesso à faixa de areia em domínio privado. Desse modo, o proprietário poderia controlar quem acessa ou não a faixa de areia. Além disso, essa medida isolada não garante a manutenção dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelas praias”, disse.