Por: Gabriela Gallo

Após forte reação, PL do aborto pode ser adiado

Contadora de histórias dramatiza situação de aborto no Senado | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Após uma série de protestos em escala nacional contra o Projeto de Lei (PL) 1904, que equipara a prática do aborto com mais de 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo para mulheres que engravidaram devido a estupro, a votação do projeto deve ser adiada. O texto determina uma pena de até 20 anos de prisão. A repercussão do caso foi tão alta que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cogita adiar a votação do projeto. Lira deve decidir sobre o caso na reunião de líderes, nesta terça-feira (18).

A expectativa é que o presidente da Casa suspenda a votação para depois das eleições municipais, em outubro deste ano, esperando a poeira baixar. Será preciso, porém, verificar a reação da bancada evangélica a essa possibilidade. A assessoria do autor do PL 1904, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), confirmou à reportagem que Arthur Lira fez um acordo com a bancada evangélica para que o projeto seja votado ainda neste ano. A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional tem atualmente 228 integrantes: 202 deputados federais e 26 senadores.

Menos de dois minutos

Na última semana, o plenário da Câmara aprovou, em votação simbólica, o projeto em menos de dois minutos. Quando um projeto de lei é aprovado em regime de urgência, ele não precisa ser discutido em comissões antes de ser votado no plenário da Casa.

O projeto veio à tona como uma resposta do Congresso Nacional à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes fr suspender uma determinação do Conselho Federal de Medicina contra o uso de assistolia fetal como procedimento para interromper a gravidez após 22 semanas. O método é adotado nesses casos de aborto legal.

Repercussão

Tema polêmico, o PL 1904 divide opiniões por tentar alterar o Código Penal referente a aborto. No Brasil, o aborto é ilegal sob pena de um a três anos de detenção para gestantes que realizarem ou consentirem o aborto. As únicas exceções previstas no Código Penal são: gravidez resultante de estrupo, quando o feto é anencéfalo e quando a gravidez é de alto risco para a gestante.

Nesta segunda-feira (17), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou um parecer contrário ao projeto de lei. A OAB julgou o texto como “grosseiro e desconexo da realidade”, e reforçou que a medida é inconstitucional.

“A criminalização pretendida é grave porque afeta especialmente as meninas e mulheres mais vulneráveis, principalmente social e economicamente. Meninas vítimas de violência sexual são as que demoram mais a identificar e conseguir pedir socorro em situações de violência, a perceber uma gravidez decorrente de violência e a chegar aos serviços de saúde”, afirma o documento, que ainda reforça que, caso o Congresso aprove a medida, ela será pautada e julgada no Supremo Tribunal Federal (STF).

A advogada e professora em Compliance de Gênero Mariana Covre concorda com a avaliação da OAB. “A castração de gênero por verdadeira expulsão inconstitucional de direitos e garantias fundamentais que o ‘PL do aborto’ pretende insurgir não ocorrerá porque não se abre mão de direitos de gênero conquistados e sufragados em carta constitucional”, disse.

Por outro lado, ainda nesta segunda-feira, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) organizou uma audiência no plenário do Senado para discutir o tema, especialmente a assistolia fetal. Na sessão, Girão convidou a contadora de histórias Nyedja Gennari para encenar um feto que estaria sendo abortado.

O senador disse que convidou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, para participar da audiência, mas ela não pôde comparecer porque já tinha compromissos marcados em sua agenda. Sem a ministra, todos os parlamentares e representantes do setor presentes na audiência eram favoráveis ao projeto pra aumentar a pena por aborto.

Nos bastidores, a estratégia do senador em sensibilizar os presentes na sessão contra a técnica médica não agradou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que se irritou com a falta de um lado contrário no debate e com a dramatização da leitura, técnica adotada por contadores de histórias. Na semana passada, Pacheco alfinetou a Câmara dos Deputados e disse que o texto “jamais iria direto ao plenário do Senado” e primeiramente seria discutido em comissões próprias.