Por: Ana Paula Marques

Gesto contra a polarização: Lula se encontra com FHC

Lula e FHC: gesto democrático contra o radicalismo | Foto: Ricardo Stuckert / PR

Fora da agenda oficial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontrou-se, segunda-feira (24), com seu adversário histórico nas urnas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em São Paulo. Vista como um gesto contra a polarização que tomou conta do país nos últimos anos, visita de Lula a FHC também simboliza uma tentativa de aproximação do petista com a chamada direita democrática— os conservadores não radicais, embora não se possa considerar Fernando Henrique como um político de direita.

Lula também se encontrou com os escritores Raduan Nassar e Noam Chomsky. Ambos visitaram Lula quando ele esteve preso na carceragem da Polícia Federal (PF), em Curitiba (PR). O presidente pousou em São Paulo ainda no domingo (23), fez a agenda pessoal, e, segundo a assessoria, voltou a Brasília logo no final da tarde de segunda.

Simbolismo

Outro símbolo que a visita de Lula a FHC carrega, segundo o cientista político Guilherme Carvalhido, é uma ação contra o próprio bolsonarismo. “Durante até mesmo as últimas eleições, ficou claro que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é contrário, assim como o PT, desse grupo radical. Então, a visita é considerada uma ação política, sobretudo no campo ideológico”, explica.

Desde que assumiu seu terceiro mandato, o presidente Lula enfrenta um Congresso Nacional mais conservador. Por isso, a articulação do governo já declarou que não deve tomar frente nas questões ideológicas que tomam cada vez mais a pauta Legislativa.

“Desde que tomou posse pela terceira vez, o presidente tenta trazer a direita tradicional para apoiá-lo no Congresso, onde ele enfrenta diversas crises de articulação e um número intenso de derrotas. Então, a estratégia é trazer esse Brasil que, como vemos, elege mais a direita, porém, não se caracteriza como um país radicalizado”, disse. Quando governou o país, nem Fernando Henrique nem o PSDB eram de direita. Mas se aliavam especialmente ao então PFL (hoje União Brasil), mais conservador, formando uma aliança de centro-direita. Com o gesto, Lula tenta uma aproximação com esses grupos conservadores, mas democráticos, que têm alinhamento com FHC.

Eleições

Segundo o especialista, existe também a possibilidade de que eles tenham discutido as eleições municipais que se aproximam, já que, o partido de FHC está dividido sobre a pré-candidatura do apresentador José Luiz Datena à prefeitura de São Paulo. “Lula poderia tentar conseguir um apoio de parte do partido para seu pré-candidato, o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP)”, disse.

O PT enfrenta uma eleição em que as pesquisas apontam maior vitória da direita na maioria das capitais. A sigla lançou onze pré-candidatos próprios, mas só vê chances reais de vitória neste momento em duas: Porto Alegre, com a deputada federal Maria do Rosário, e Goiânia, com a também deputada federal Adriana Accorsi. Em 2020, o partido não fez nenhum prefeito em capitais estaduais pela primeira vez desde a redemocratização.

Histórico

Antes de se oporem, a história da relação entre Lula e FHC começa ainda durante os anos de ditadura militar. Juntos, eles lutaram pela redemocratização e foram duas das principais lideranças do movimento Diretas Já. Também participaram da Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985 pelo presidente José Sarney, embora com posições às vezes antagônicas: Lula deputado pelo PT e FHC como senador pelo PMDB e, depois, pelo PSDB, que ele ajudou a fundar.

O afastamento começou a se dar depois do Plano Real, no governo Itamar Franco, quando Fernando Henrique era ministro da Fazena. Com o sucesso do plano, FHC cresceu como opção à Presidência, desbancando as chances de Lula. Foi eleito presidente em 1994 e reeleito em 1998, e, desde então, PT e PSDB se tornaram adversários. Desde a décadas de 1190 que FHC e Lula são de campos opostos da política. Lula só se tornou presidente pela primeira vez em 2022, quando já não tinha o tucano como rival (o candidato do PSDB foi José Serra). Quando subiu a rampa pela primeira vez, o petista recebeu a faixa de FHC.

A reaproximação dos dois só aconteceu durante as eleições de 2022. Na época, FHC declarou apoio ao petista no segundo turno contra Jair Bolsonaro (PL). Hoje, aos 93 anos, o ex-presidente tem ficado mais recluso em seu apartamento, na capital paulista.