Por: Gabriela Gallo

Lula volta a criticar BC e taxas de juros

Lula voltou a atacar política do Banco Central | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Uma semana após o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidir manter a taxa Selic em 10,5% ao ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a criticar o presidente do banco, Roberto Campos Neto, pela política de juros. Em entrevista ao site UOL, nesta quarta-feira (26), o presidente voltou a questionar o motivo do BC não reduzir a Selic.

“O Banco Central tem necessidade de manter a taxa de juros a 10,5% quando a inflação está a 4%? O Banco Central leva em conta que as pessoas estão tendo dificuldade de fazer financiamento? Porque é o seguinte, cara, não é culpa sequer do Banco Central, é culpa da estrutura que foi criada. Ou seja, o cara não pode ser só cuidar da inflação. Precisa cuidar do seguinte: o Banco Central vai ter um plano de meta de crescimento? Eu quero controlar a inflação, mas eu quero crescer. A gente vai alcançar para isso?”, questionou o presidente Lula.

As críticas de Lula dão continuidade a uma série de troca de farpas entre as duas figuras. Nesta terça-feira (26), o BC publicou em suas redes sociais uma montagem do filme ‘Divertida Mente 2’ no qual a personagem principal Alegria questiona que nova emoção chegou à cabeça da menina Riley e a foto escreve “Oi, eu sou a vontade de gastar sem poder”. A publicação foi avaliada como uma resposta ao governo federal, que vem sendo cobrado por querer gastar sem respeitar os limites da responsabilidade fiscal.

Ao manter a taxa de juros, o Copom justificou que decidiu interromper o ciclo de queda por causa do cenário global incerto e que a alta da inflação doméstica e as expectativas “desancoradas” exigem maior cautela. O comitê reforçou que a conjuntura atual está marcada por uma desinflação mais lenta que o esperado, um cenário global desafiador e a desancoragem das expectativas de inflação pelo mercado financeiro.

Ao Correio da Manhã, a economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni disse que esse embate entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto é uma consequência de uma lei aprovada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que determina que os presidentes da República “terão que conviver com dois presidentes do Banco Central, um herdado e outro escolhido” em seus respectivos mandatos.

“O que a gente está vendo nesse primeiro momento são farpas especificamente entre o chefe do Executivo e o presidente do Banco Central, porque é a primeira vez que se tem esse tipo de convívio. Ele acontece em vários países, só que o Brasil está vivenciando uma relação atritosa em cima desse ponto”, destacou.

Inflação

A economista explicou que as críticas do presidente Lula dizem respeito à métrica interna do Banco Central, que faz um cálculo “no qual se precisa continuar elevando a taxa de juros de uma forma muito contundente” pra conter o processo inflacionário. “Só que não temos uma inflação que está subindo, que vai deteriorar a meta”, disse Beni.

De acordo com um relatório da Auditoria Cidadã da Dívida, 43,3% do Orçamento Federal de 2023 (que totalizou R$ 4,36 trilhões) foi destinado para o pagamento de juros e amortização da dívida, o que totaliza R$ 1,89 trilhões. Carla Beni reiterou que o Banco Central manter a taxa de juros elevada nesse patamar entrega um benefícios “para todas as pessoas, empresas, bancos, instituições financeiras que compram títulos públicos”.

“Há um dreno do orçamento onde você gasta 43% do orçamento pra pagar juros e amortizações de dívida. Então, quando o Banco Central diz que o governo tem que gastar menos, você precisa olhar para esse gráfico. Não existe corte de gasto suficiente que cubra a despesa de juros. Então, o Banco Central é, sim, corresponsável pelo gasto do orçamento”, destacou a professora da FGV.

A economista relembrou que a taxa Selic é a referência para as demais, sendo a menor remuneração para sua aplicação financeira. “Por exemplo, você pega o seu dinheiro e coloca um título público remunerado pela taxa Selic. É a operação de menor risco, por isso que ela é chamada de básica, porque ela é um piso, ela é a mínima. Então, um país que paga 10,5% ao ano com zero de risco, que é quando você compra um título público, desestimula você a pegar o seu dinheiro e colocar na empresa, abrir um negócio. E como se tem que pagar muito para quem aplica dinheiro no mercado financeiro, o Brasil tem estímulo ao rentismo, se cobra muito de quem precisa de financiamento. Então, se você vai financiar uma calça, uma televisão, um carro, tudo isso tem juro embutido. Esse é o impacto: quanto maior for a taxa Selic, pior é para o lado real da economia, produtor de bens e serviços”, pontuou.

Mas, para a economista, na prática, essa troca de farpas entre governo e BC, não terá impactos práticos, visto que a taxa Selic já está definida até a próxima reunião do Copom.

Sucessor

Na entrevista ao UOL, Lula foi questionado sobre possíveis nomes para assumir o posto de Campos Neto, que deixa a presidência do BC no final deste ano. Lula disse que o diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, é “altamente preparado” para o posto, mas ainda não pensou no nome que indicará para a vaga.

“Eu não indico presidente do BC para o mercado, indico para o Brasil. E o mercado, seja financeiro, empresarial, produtivo, tem que se adaptar a isso. É preciso ter em mente que o Brasil vá bem, que a inflação esteja bem, que o crescimento vá bem, que o salário vá bem. É esse país de bem, esse país de ganha-ganha, é isso que a gente precisa criar”, declarou.