Com polêmica, Flávio ameniza PEC das Praias

Senador inclui faixa de areia como "bem de uso comum". Mas resistência continua

Por Ana Paula Marques

Flávio altera texto para tentar reduzir polêmica

Com um texto envolto em polêmicas diante da suspeita de alguns de que visa fazer a "privatização" de praias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) resolveu incluir na Proposta de Emenda a Constituição (PEC) de sua autoria, chamada de PEC das praias, um artigo que cita as faixas de areia como "bens públicos de uso comum”. Seria uma forma de amenizar a reação à proposta, reduzindo as desconfianças.

Apesar de ainda não ter sido oficialmente alterada, o senador já declarou que tem a redação de como vai ficar o trecho para rebater críticas sobre a possível tentativa de privatizar as praias brasileiras.

“As praias são bens públicos de uso comum, sendo assegurado o livre acesso a elas e ao mar, ressalvadas as áreas consideradas de interesse de segurança definidas em legislação específica”. Segundo Flávio Bolsonaro, essa deve ser a inserção ao texto, como forma de deixar claro que a intenção, ao fazer a venda dos terrenos de Marinha, não seria fechar o acesso às praias. Flávio Bolsonaro também deve incluir, ainda, um parágrafo único que deve em tese resguardar os limites das áreas. “Não será permitida a utilização do solo que impeça ou dificulte o acesso da população às praias”.

O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e está em discussão no Senado Federal. Flávio Bolsonaro disse que deve fazer mais três alterações na PEC antes do envio do parecer final à Casa, o que, na prática, significa que, mesmo se aprovado no Senado, o texto deve voltar à análise dos deputados. Na regra de tramitação de propostas de emenda a Constituição, se o texto original for alterado, deve retornar à outra Casa.

Imagem abalada

Segundo um levantamento do site UOL, o senador Flávio Bolsonaro é citado em 48% dos posts sobre a privatização das praias. A maioria das menções negativas associa o senador à atuação para autorizar empreendimentos que impediriam o acesso da população a determinados trechos do mar.

Segundo o levantamento, 7 de 10 publicações postadas do X (antigo Twitter) mencionam que praias serão privatizadas e no Instagram 7 das 10 publicações com mais interações são contrárias a Flávio.

Manifestação

Apesar de ter nascido nas linhas da internet, as manifestações contra a PEC ultrapassam os algoritmos e as paredes das redes. No último domingo (9), por exemplo, manifestantes protestaram contra a PEC na praia de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Eles seguravam cartazes contrários ao texto e gritaram frases como “a praia é do povo”.

Os manifestantes também recolheram assinaturas contra a proposta e isolaram uma parte da areia com fita preta e amarela para simular uma “privatização” da praia.

Derrubada

Para o cientista político e diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, a alteração não resolve o principal problema da PEC. “Hoje em dia, em diversos países, a faixa de areia ser domínio público não garante o acesso, porque para ser pública você tem que poder acessá-la. Não existe uma regulação clara e o princípio do texto é de privatização”, disse.

O texto da PEC em si não cita efetivamente as praias ou sua privatização. Trata somente dos chamados terrenos de Marinha, que são terrenos de propriedade da União e áreas à beira-mar que ficam a 33 metros do ponto mais alto em que chega a maré ao longo da costa e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Porém, a discussão que se criou foi que, com a venda desses terrenos, quem os comprasse poderia impedir a entrada do público à praia ao isolar esses locais somente para clientes.

Um exemplo sobre o assunto, segundo o especialista, é a Praia dos Carneiros em Pernambuco, “Lá, vemos o acesso público, as passagens de servidão, interrompidas com entulho, com sinalizações de obra, reparos, podas mal feitas. Ou seja, é uma precarização constante e progressiva que já se encontra hoje em curso, mesmo fora da lei. O que essa PEC quer é oficializar todo um processo de exclusão da população que, na prática, já existe em alguns lugares do Brasil”, explica.

Para o geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro, a PEC afronta o artigo 225 da Constituição Federal que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

“Mesmo com o trecho alterado pelo relator, o problema continua, pois mantém o acesso à faixa de areia em domínio privado. Desse modo, o proprietário poderia controlar quem acessa ou não a faixa de areia. Além disso, essa medida isolada não garante a manutenção dos serviços ecossistêmicos oferecidos pelas praias”, disse.