PL do Novo Ensino Médio: reforma será possível?

Especialistas em educação consideram as mudanças arbitrárias e difíceis de implementar

Por Ana Paula Marques

Escolas terão capacidade de cumprir projeto?

Apesar de ter sido aprovado no Senado Federal na semana passada, o Projeto de Lei (PL) que reestrutura o novo ensino médio ainda irá passar por mais um tempo de tramitação na Câmara dos Deputados, já que sofreu alterações. O texto inicial, enviado pelo governo ao Legislativo, na prática, reformula uma reforma do ensino feita em 2017.

Especialistas em educação, no entanto, acreditam que a proposta é somente uma “reforma da reforma” que já deveria ter sido revogada. A principal crítica é: como cumprir as regras impostas sem meios financeiros para contratar novos professores e estruturar escolas.

Carga horária

Uma das mudanças propostas no texto é a carga horaria do ensino. Hoje, a lei determina 3 mil horas para cursar todo o ensino médio, sendo 1,8 mil horas dedicadas para as matérias essenciais, sobrando 1,2 mil horas para cursos opcionais. As únicas matérias que precisam constar obrigatoriamente nos três anos são português e matemática, em um total de mil horas de aulas por ano.

Ao invés de prever um teto de horas, a nova proposta traz um piso obrigatório. Pelo texto, os alunos vão dedicar 2,4 mil horas para a formação geral básica e 600 horas para disciplinas optativas, as atividades em que o aluno se aprofunda em alguma área do conhecimento. A proposta ainda abre espaço para que a carga horária mínima anual cresça até 1,4 mil horas.

A proposta estabelece 70% do período será reservado às disciplinas obrigatórias e 30% aos cursos de aprimoramento, à escolha do estudante, chamados de itinerários.

Planejamento

Para a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em educação Márcia Jacomini, o aumento das horas são um avanço, contudo, existe a problemática do planejamento.

“Organizar um currículo em que serão exigidas 600 horas somente de itinerários, exige um planejamento, um investimento e uma estruturação que não está nessa nova reforma e que também não estava na antiga. O problema que o ensino médio enfrenta vai continuar existindo, pois não é uma questão de implementação e sim da própria formulação dessa Base de Ensino”, disse,

Entretanto, para a especialista, a oferta do espanhol como língua obrigatória, assim como hoje acontece com o inglês, é outro ponto positivo. “Mas é preciso observar que isso exige um planejamento que não está presente no PL. Temos vistos escolas que ofertam uma disciplina, e claro, os professores formados nessa área serão escolhidos, mas caso falte, e vemos que existe essa falta de profissionais em muitas escolas, um outro professor assume a disciplina e muitas vezes ele nem chega a ser formado na área da qual ele dará aula”, explica.

Assim como pode acontecer na oferta dos itinerários, segundo a especialista, existem escolas que não têm estruturas, que não têm professores e que não preparam seus professores. “Precisamos também preparar esses profissionais na perspectiva do que é docência, e isso gera um gasto que não está estabelecido em lugar nenhum. Sempre chegam os comentários de que os alunos não estão interessados, mas a pergunta que fica é: será desinteresse de fato ou nas escolas está faltando o fundamental?”, questiona.

Impacto

Já para a Coordenadora do Ensino Médio do Colégio Humdboldt, em São Paulo, a proposta ainda precisa pensar nos impactos do dia a dia da escola. “O impacto para estudantes é mais tempo em escola, o que não é necessariamente ruim quando esse tempo é significativo. Para o professor, principalmente no contexto da educação pública, a principal questão é: temos profissionais disponíveis? Como estão pensando, ainda mais no contexto público, a remuneração desse profissional? Porque hoje o professor, por vezes, se divide entre escolas para complementar sua renda”, explica.

A coordenadora relembra que uma consulta foi realizada no ano passado e os profissionais da educação apontaram alguns indicativos. “O que era esperado de fato era a diminuição do espaço de itinerário formativo e uma ampliação da formação geral básica. Então, a nova proposta está indo ao encontro do que foi problematizado na experiência das escolas, em especial as públicas, que estavam com dificuldade da atribuição de aulas”, aponta.