O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados ouviu, nesta terça-feira (9), duas testemunhas no processo que pode levar à cassação do mandato do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em 2018. O primeiro ouvido pelo colegiado foi o parlamentar Tarcísio Motta (Psol-RJ), que foi vereador no Rio de Janeiro junto com Marielle.
Chiquinho Brazão é investigado por suposta quebra de decoro parlamentar pela Câmara dos Deputados. Ele e o irmão, Domingos Brazão, foram apontados pela Polícia Federal (PF) como mandantes do assassinato da vereadora. Chiquinho está preso desde março, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e participou da reunião por chamada de vídeo.
Milícias
Motta afirmou em seu depoimento que a família de Brazão domina as áreas de atuação de milícia no Rio. Segundo ele, como o Psol se tornou um obstáculo para os interesses políticos e econômicos desses grupos, o assassinato de Marielle teria sido uma tentativa de amedrontar e aterrorizar os políticos e parlamentares do partido.
“Faz todo sentido cometer um crime político para nos amedrontar e aterrorizar. Precisavam de algo para parar o crescimento do resultado eleitoral alcançado pelos parlamentares do Psol no Rio. A Marielle, embora no primeiro ano do primeiro mandato, começava a despontar. Olhava para a periferia de maneira prioritária e falava sobre a questão fundiária dentro das favelas. Era obviamente quem representava a maior ameaça dos interesses da milícias naquele momento”, disse.
Segundo Motta, um dos projetos de interesse da milícia era a regularização fundiária que envolvia loteamentos, que chegou até mesmo a ser aprovado pela Câmara Municipal do Rio. “Era um grande vale tudo urbanístico no Rio, com flexibilização dos critérios de regularização fundiária e permitia lotes não edificados. Esse era o tesouro para a milícia, o projeto foi de autoria do Chiquinho Brazão, que fez tudo para tramitar e teve a oposição do Psol”. A proposta, após aprovada, foi considerada inconstitucional.
Motta também disse que a família Brazão sempre teve domínio em localidades de atuação desses grupos no Rio e que militantes de seu partido não tinham acesso. “Era notório que a família Brazão tinha fortíssima influência e eram os mais votados nesses bairros. Cerca de 60% dos votos do Chiquinho Brazão eram nessas áreas”, disse.
Ex-assessor
O segundo a ser ouvido foi o ex-assessor de Brazão, Marcos Rodrigues Martins. Ele é assessor da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e trabalhou com Brazão de 2013 a 2018. Marcos Rodrigues defendeu não ter visto qualquer irregularidade nos anos de atuação na Comissão de Assuntos Urbanos, nenhum comportamento anormal entre Brazão e Marielle e nenhuma discussão na tramitação de projetos de interesse urbanístico.
Martins disse ainda não acreditar que o deputado federal seja culpado como mandante do crime. “Não acredito que ele tenha sido capaz de cometer tal atrocidade. Eu não creio, mas se for comprovado que ele fez, o rigor da lei deve ser aplicado”, defendeu.
Brazão
Brazão acompanhou a sessão. Ele recebeu a palavra, mas apenas reafirmou ser inocente e preferiu não fazer questionamentos às testemunhas. A defesa do deputado apresentou ao conselho um pedido para que a tramitação da representação contra o parlamentar fosse suspensa até que o Judiciário deliberasse sobre a absolvição ou condenação de Brazão.
O advogado do deputado, Cleber Lopes, também argumentou que a recusa sistemática de boa parte das testemunhas de participar das reuniões do conselho impedia a continuidade do processo, o próprio direito de defesa e que elas fossem intimadas a comparecer no colegiado, não somente convidadas.
Um dos nomes que se recusaram a comparecer na sessão foi o ex-Policial Militar Élcio de Queiroz, acusado de ser um dos executores de Marielle. Os advogados de Brazão também anunciaram que apresentarão à relatora uma nova lista de testemunhas, já que os convites anteriores foram negados. Na prática, a inclusão de novos nomes pode estender ainda mais a tramitação do processo, já afetada pelas desistências anteriores. O processo, em tese, tem previsão de ser concluído até agosto.