Por: Ana Paula Marques

Lula e seus ‘complicados’ vizinhos

Apoio a Maduro com suas falas antidemocráticas deixa Lula em saia-justa | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um dia após o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, candidato à reeleição, afirmar que pode haver "banho de sangue" e "guerra civil" no país caso ele não vença as eleições, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a Venezuela é “livre para eleger quem quiser”. Por ser considerado aliado histórico de Maduro, o presidente é criticado por colocar vendas nos olhos em relação a políticos acusados de autoritarismo.

Por outro lado, Lula tem o presidente da Argentina, Javier Milei, com quem tem trocado farpas por divergências politicas. O desafio para a diplomacia brasileira é tentar exercer um papel conciliador como o país soberano da América Latina e tentar se manter equilibrado em meio às críticas que vem dos dois lados, base e oposição.

Desde 2023, Lula lidera um movimento de reaproximação diplomática com a Venezuela. Porém, a forma como a relação tem sido conduzida abriu espaço para críticas ao chefe do Executivo da parte de opositores e mesmo de outros chefes de Estado. Depois da declaração de Maduro sobre “banho de sangue”, o Itamaraty foi cobrado para uma declaração, uma vez que a fala contradiz a defesa de Lula por democracia.

Maduro

Para a professora de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia Flavia Loss, o Ministério das Relações Exteriores precisa mudar de posição e sair do silêncio. “Em relação ao presidente Lula, entretanto, de fato está condizente com a tradição da política externa brasileira de não interferência nos assuntos internos de outros países, especialmente aqui na nossa região. Porém, o Lula tem sido pressionado, assim como outros líderes aqui da América do Sul, a fazer uma declaração para a democracia sobre a situação da Venezuela”, explica.

Maduro busca um terceiro mandato de seis anos e a disputa tem sido marcada por denúncias de prisões de opositores, acusados pelo governo de conspirar para derrubá-lo. A Venezuela realiza eleições em 28 de julho sob desconfiança da comunidade internacional de que o regime de Nicolás Maduro não assegure votações livres e democráticas — o que contraria um compromisso formal assinado em outubro de 2023.

Logo no início da corrida eleitoral venezuelana, a opositora María Corina Machado, uma das favoritas a desbancar Maduro, foi afastada da corrida eleitoral pelo Supremo Tribunal de Justiça, alinhado ao governo chavista. Agora, seu principal concorrente, escolhido a partir de uma coalizão de partidos opositores, é o ex-diplomata Edmundo González.

Já para o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) Rodrigo Amaral, a fala de Lula tenta descolar sua posição da proximidade que tem com Maduro. “Lula deixa claro que a posição dele é uma posição sobretudo democrática, que tem como objetivo sempre a proteção do resultado eleitoral, proteção das vontades populares. Portanto, se separa de qualquer futura menção de Maduro”, explica.

Argentina

Na Argentina, é o oposto. Javier Milei, já chamou Lula de "ladrão e comunista" durante as eleições e, recentemente, faltou a uma reunião do Mercosul para participar de uma conferência da extrema-direita no Brasil. No início de julho, voltou a soltar farpas e se referiu ao presidente brasileiro como um “perfeito dinossauro idiota”.

Milei chegou a acusar Lula de interferir na campanha eleitoral da Argentina. O chefe do Executivo brasileiro, por sua vez, deu recados contra aqueles que classificou como “falsos democratas” que, na sua visão, tentam “solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários” durante a Cúpula do Mercosul, na qual o presidente argentino não compareceu.

Para Rodrigo Amaral, a posição brasileira em relação às críticas que recebe do argentino é um tom de lamentação. “Pelos os argentinos estarem sob o comando de um presidente de extrema-direita que não preserva valores democráticos de maneira geral, assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, que sempre questionou o processo eleitoral. Milei é um presidente que desvaloriza tudo que é constitucional e estatal de forma bastante explícita”, explica.