Um dia após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizer estar assustado com a fala de Nicolás Maduro de que haveria um "banho de sangue" no país vizinho caso não vença as eleições, o presidente da Venezuela reagiu lançando dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro, que se assemelham às que foram feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por aqui e pelo ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos. Maduro afirmou, sem provas, que o sistema não é seguro. E erradamente disse que não é auditado. Cada uma das urnas brasileiras emite ao final um boletim impresso que pode ser comparado com o resultado, além de outros processos de acompanhamento.
Além do Brasil, Maduro também questionou os sistemas eleitorais dos Estados Unidos e Colômbia, afirmando que ambos também não auditariam o processo. Além de afirmar que a Venezuela tem “o melhor sistema eleitoral do mundo”. Segundo ele, lá são feitas 16 auditorias.
“Onde mais no mundo se faz isso? Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é inauditável. No Brasil? Eles não auditam um único registro. Na Colômbia? Eles não auditam um único registro”, acrescentou. A íntegra do comício foi publicada pelo presidente em sua conta oficial no X (antigo Twitter).
As críticas feitas por Maduro aos sistemas eleitorais são curiosas porque ele, considerado um governante de esquerda, faz questionamentos semelhantes a governantes associados à direita, como Bolsonaro e Trump.
Auditáveis
Ao contrário do que afirmou Maduro e afirmava Bolsonaro, no Brasil, as eleições são totalmente auditáveis. As etapas do processo eleitoral são acompanhadas por organizações e partidos políticos. Em nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que o boletim de urna é "totalmente auditável". O Tribunal tem vários textos publicados anteriormente, diante dos questionamentos que foram feitos nas eleições de 2022, que explicam o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro e detalham que todos as fases do processo eleitoral são auditadas.
Ao contrário, porém, há dúvidas exatamente sobre o processo venezuelano. Por isso, ele será acompanhado por diversos observadores internacionais. O TSE enviará dois técnicos para acompanhar a eleição na Venezuela. O presidente Lula também determinou a ida do assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim. As eleições na Venezuela acontecem no domingo (28).
Lula e Maduro
O pleito venezuelano é visto com especial atenção na região porque pode representar o fim de dez anos do regime de Maduro e também do chavismo, há 25 anos no poder na Venezuela desde a ascensão, em 1999, de Hugo Chávez (1954-2013).
Lula tem relações com Maduro. O presidente brasileiro já chegou a defender que a Venezuela volte o quanto antes a fazer parte como membro efetivo do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Além disso, o Executivo brasileiro ainda defendeu que os resultados da eleição deste ano na Venezuela sejam reconhecidos por todos. O problema é que isso hoje pode significar uma derrota de Maduro. Pesquisa realizada pelo Instituto Delphos aponta que o opositor do presidente venezuelano, Edmundo González Urrútia, teria 60% das intenções de voto.
Assim, o que disse Lula surtiu efeito e gerou reação de Maduro. Sem mencionar Lula, Maduro disse que quem se assustou “que tome um chá de camomila”. Para a professora de Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia Flavia Loss, a manifestação de Maduro, feita em um comício, é somente uma “fala de campanha”.
“Ele atacou outros países também no meio desse discurso. O Itamaraty ficar rebatendo tudo vai só desgastar a relação entre os países que já não está das melhores. Então, o Brasil não rebater essa fala, apenas o TSE, e essa é uma decisão acertada. Uma manifestação através da instituição eleitoral brasileira é bem feliz, porque atravessamos uma fase no Brasil, com ondas de fake News. Essa manifestação pode fazer com que mais pessoas voltem a disseminar informações falsas e a questionar um processo eleitoral que, além de ser auditável, é acompanhado por inúmeras instituições internacionais”, explica.
A especialista explica que o governo Lula está medindo o que vai ser dito ou não, porque a relação já é tensa “e o Brasil é um ator importante nesse momento pós-eleições na Venezuela”.
“Assim como outros governos da região, o país precisa apoiar a democracia, então ação brasileira será importante para que o regime do Maduro reconheça caso ele não vença. O papel do Brasil é muito estratégico, muito importante, por isso que cada ação do Itamaraty ou do presidente Lula está sendo medida, e isso, caso aja uma resposta”, disse.