Pela primeira vez, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou sobre a polêmica no processo eleitoral na Venezuela. Nesta terça-feira (30) em entrevista à TV Centro América no Palácio do Planalto, Lula minimizou a situação com da Venezuela e disse que, para esclarecer o resultado eleitoral, basta ter acesso às atas, que são boletins que registram os votos em cada urna. A manifestação de Lula aconteceu pouco após uma conversa por telefone entre Lula e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
“Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar. Eu estou convencido que é um processo normal, tranquilo. Na hora que tiver apresentado as atas, e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela”, declarou o presidente.
O presidente brasileiro vinha sendo pressionado para se posicionar sobre as possíveis fraudes na apuração dos votos na eleição presidencial venezuelana, especialmente após o Partido dos Trabalhadores divulgar, na noite de segunda-feira (29), uma nota afirmando que o processo eleitoral na Venezuela foi uma jornada "pacífica, democrática e soberana". Em contrapartida, o PSB, partido do vice-presidente da República Geraldo Alckmin, divulgou uma nota totalmente oposta, condenando a falta de transparência e divulgação do resultado eleitoral, chamando Nicolás Maduro de ditador.
Nota
A nota do PT foi apresentada em reunião da Executiva do PT, marcada para a definição das candidaturas próprias e coligações que o partido fará para as eleições nos municípios com mais de 100 mil habitantes. No meio da reunião, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), apresentou a nota sobre a eleição na Venezuela.
A nota tinha sido redigida por ela e pelo secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira. Lida a nota, o Correio apurou que a única pessoa que divergiu na reunião do texto foi o deputado Reginaldo Lopes (MG). Mas ele não é membro da Executiva.
Após a aprovação na Executiva, Gleisi colocou a nota no grupo de WhatsApp do partido. No grupo, segundo a apuração, não houve nenhuma divergência ou sequer observação sobre o texto.
“Se alguém hoje é contra, critica a nota, se alguém considera que a posição do partido foi precipitada e pode gerar constrangimento ao governo, quando consultado não disse”, afirma uma fonte do PT.
Entenda
Após o resultado das eleições presidenciais na Venezuela no domingo (28), o país vem enfrentando uma série de protestos desde segunda-feira. Segundo o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, o vencedor da disputa foi o atual presidente Nicolás Maduro, com 51,20% dos votos contra 44,2% do ex-embaixador Edmundo González Urrutia. Se permanecer no cargo até o fim do novo mandato de seis anos, Maduro será o presidente com maior tempo de mandato do país, com 17 anos no poder.
No entanto, a oposição do presidente acusa o resultado como fraudulento, alegando que não teve acesso pleno às atas eleitorais. A oposição alega que teve acesso a apenas 40% das atas das eleições presidenciais e que estas atas indicariam que Edmundo González venceu. As atas ainda não foram divulgadas e a Venezuela vem sendo pressionada internamente e internacionalmente para fazê-lo.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) informou nesta terça-feira (30) que não reconhece o resultado das eleições anunciado pela Justiça Eleitoral da Venezuela, alegando que o sistema eleitoral venezuelano é tendencioso e está a serviço de Maduro.
Segundo o Ministério Público (MP) do país, até esta terça-feira ao menos 11 pessoas morreram durante as manifestações e 749 pessoas foram presas. Em decorrência das manifestações, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) emitiu um alerta consular para brasileiros que estão na Venezuela. Os militares venezuelanos declararam "lealdade absoluta e apoio incondicional" a Nicolás Maduro em meio aos protestos da oposição.
Na avaliação da advogada especialista em Direito Internacional Hanna Gomes, essa “saia justa” entre Brasil e Venezuela pode levar a um reajuste na política externa entre os dois países. “A renovação de apoio que o governo Lula possa dar na condução política de Maduro pode levar o Brasil a enfrentar uma pressão internacional para adotar uma postura mais incisiva contra o regime venezuelano, em especial no que se refere à observância dos direitos humanos”, avalia Hanna.
Outro aspecto é a imigração. “A crise econômica e social da Venezuela também tem elevado o fluxo significativo de refugiados e imigrantes para o Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, como em Roraima, por exemplo. A reeleição de Maduro pode continuar a agravar essa crise e aumentar esse fluxo imigratório, levando o Brasil a repensar suas políticas de fronteiras”, completou a advogada.