Moraes tira sigilo do inquérito das joias

Relatório detalha os indícios encontrados pela Polícia Federal no caso

Por Ana Paula Marques

Reflexo do general Cid no estojo da joia vendida

No relatório final da Polícia Federal (PF) entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a investigação da venda das joias recebidas pela Presidência na época em que Jair Bolsonaro (PL) ainda era chefe do Executivo, a polícia apresenta uma lista com uma série de provas que ligam diretamente o ex-presidente aos indícios de supostos crimes na venda dos presentes recebidos nos Estados Unidos.

Na última semana, Bolsonaro e mais 11 pessoas foram indiciadas, mas somente nesta segunda o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no STF, tirou o sigilo dos documentos. Neles, a PF aponta que o comércio dos itens de luxo pode ter rendido R$ 6,8 milhões ao ex-presidente, e teriam custeado as despesas dele e da família no período em que passou nos Estados Unidos, depois da derrota nas eleições presidenciais de 2022 até o início de 2023.

Joias

A PF também identificou no histórico de navegação do celular de Bolsonaro que houve consulta na página da empresa responsável pelo leilão do kit de joias ouro rosé. Trocas de mensagens mostraram o ex-ajudante de ordens Mauro Cid—também indiciado pela PF— enviando a Bolsonaro o link do leilão online desse mesmo kit. Em resposta, Bolsonaro escreveu “selva!”, uma saudação militar, que significa algo como “ok” ou “tudo bem”. Para a investigação, essa troca de mensagens é a evidência de que o ex-presidente sabia do suposto esquema de venda dos presentes recebidos.

Outro elemento, segundo a investigação, é a foto de um relógio enviada pelo tenente-coronel Mauro Cid, então seu ajudante de ordens, a Bolsonaro. Nela, havia informações do relógio, como valor de mercado, em novembro de 2021. O tenente-coronel também enviou ao então presidente uma fotografia do certificado do objeto.

Em outro ponto do inquérito, a PF destaca uma conversa entre Marcelo Câmara — ex-assessor de Bolsonaro, que também foi indiciado — e Mauro Cid. Eles conversam por áudio, e discutem os problemas da venda das joias após a descoberta de que elas faziam parte do acervo da União, e não itens pessoais. Cid questiona a Marcelo Câmara a possibilidade de informar ao Gabinete de Documentação Histórica da Presidência as joias e depois colocar novamente à venda. Porém, é informado que deve somente devolver ao gabinete. Cid aceita, mas ainda indaga: “Só dá pena porque estamos falando de US$ 120 mil dólares”. O ex-assessor de Bolsonaro concorda, mas diz: “O problema é depois justificar para onde foi. De eu informar para o gabinete de Documentação. Rapidamente vai vazar”.

Avião presidencial

Conforme a PF, Bolsonaro utilizou o avião presidencial, sob alegação de viagem oficial, para enviar joias do acervo presidencial aos Estados Unidos, em dezembro de 2022. Segundo a PF, houve a mesma movimentação três vezes. Em 31 de dezembro de 2022, foram levadas duas esculturas, uma em formato de barco e outra de árvore. Ambos foram presentes recebidos por Bolsonaro em novembro de 2021 durante compromissos oficiais com representantes da Arábia Saudita e do Reino do Bahrein.

A investigação ainda afirma que o tenente-coronel Cid, com a ajuda do seu pai, general Mauro Cesar Lourena Cid—outro indiciado — encaminhou os bens para vários estabelecimentos especializados nos Estados Unidos, para avaliação e tentativa de venda. “No entanto, os bens não possuíam o valor patrimonial esperado pelos investigados, fato que frustrou a alienação das esculturas”, informou a PF.

Neste ponto, a polícia ressalta uma mensagem de Mauro Cid a Marcelo Câmara em março de 2023 explicando o motivo pelo qual Bolsonaro não pegou as esculturas quando se encontrou com o seu pai, o general Cid, em Miami. “Bolsonaro não pegou porque não valia nada”, disse o ex-ajudante de ordens do ex-presidente.

Recebidos

A PF também relata que o general Mauro Lourena Cid repassou R$ 25 mil em espécie ao ex-presidente, valor que teria sido oriundo das joias. Segundo as investigações, o objetivo era não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal.

Outro ponto que liga Bolsonaro diretamente ao caso, segundo a PF, é uma chamada de vídeo realizada entre o ex-presidente e o advogado Frederick Wassef—outro nome na lista de indiciados. A conversa teria acontecido logo após o advogado falar sobre a entrega do relógio Rolex ao tenente-coronel Mauro Cid, segundo a PF, Wassef foi "designado" por Bolsonaro para recuperar o objeto em março de 2023, quando veio à tona o suposto esquema do desvio de joias do acervo presidencial.

No dia 13 de março, Bolsonaro chegou a encaminhar a Wassef cotação de passagens aéreas saindo de Miami para Filadélfia para o dia seguinte. O advogado, segundo a PF, viajou nesse voo específico no dia 14 para recomprar o relógio

Defesas

A reportagem procurou a defesa de Bolsonaro. O advogado do presidente, Fábio Wajngarten, informou que ainda não tinha tido acesso à integra do texto. Na semana passada, porém, quando foi indiciado, Wajngarten reagiu dizendo que apenas exercia o seu papel de advogado.

Sobre o indiciamento do ex-presidente, seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), reagiu dizendo que se tratava de uma “declarada e descarada perseguição”.