Witzel teria pedido vaga no STF para blindar Flávio
Moraes tirou sigilo da reunião gravada entre Bolsonaro, Ramagem e Augusto Heleno
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo do áudio da reunião que, em 25 de agosto de 2020, realizaram o ex-presidente Jair Bolsonaro; o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; o então chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrembach, que defendiam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no processo em que ele é acusado de desviar parte dos salários de seus funcionados quando deputado estadual, a prática conhecida como “rachadinha”.
Em um dos momentos da reunião, Bolsonaro menciona que o então governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, teria lhe pedido uma vaga no Supremo e que, com ela, resolveria o problema de Flávio Bolsonaro. “Ele [Witzel] falou, resolvo o caso do Flávio. Me dá uma vaga no Supremo”.
Segundo circula entre pessoas próximas do ex-presidente, Witzel não teria pedido a vaga para ele mesmo. Àquela altura, o então governador do Rio de Janeiro tinha pretensões de vir a ser presidente da República. Ele estaria, assim, buscando apoio de Bolsonaro para essa pretensão. E indicando que com a “vaga” poderia colocar no STF alguém da confiança de ambos.
Gravação
Em um vídeo que divulgou nas redes sociais, essa teria sido a razão de a reunião ter sido gravada. Para deixar registrada uma conversa na qual se fazia uma denúncia grave contra um governador de que fazia uma “proposta pouco republicana”.
Na conversa, uma das advogadas de Flávio Bolsonaro pergunta, para confirmar, quem teria feito a proposta. Jair Bolsonaro repete: “O Witzel”. A outra advogada se surpreende: “Olha isso”. Tanto Bolsonaro quanto Augusto Heleno resumem a motivação: “Sede de poder”.
Eleito na esteira do conservadorismo que elegeu Bolsonaro em 2018, Witzel acabou mais tarde rompendo com o ex-presidente. Na pandemia de covid-19, Witzel acabou envolvido em acusações de irregularidades na compra de equipamentos de saúde, com superfaturamento. As acusações acabaram levando ao seu impeachment em 2021.
Witzel nega ter tido tal conversa com Bolsonaro. “O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido, e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante das suas inúmeras ocupações, seja por acreditar que eu faria o que hoje está se verificando com a Abin e a Polícia Federal”.
Uma hora
O áudio da reunião tem mais de uma hora. E a transcrição 48 páginas. Na reunião, as duas advogadas dizem que estaria havendo uma perseguição da Receita Federal sobre seu cliente, Flávio Bolsonaro. E os presentes discutem o que poderia ser feito como reação.
O próprio Bolsonaro orienta às advogadas que procurem o chefe da Receita, que era então José Tostes Neto, e diz que procuraria também o chefe do Serviço de Processamento de Dados (Serpro), Gustavo Canuto. Mais adiante, Ramagem discute caminhos pelos quais o trabalho dos auditores da Receita poderia ser questionado, como a abertura de procedimentos administrativos.
As advogadas de Flávio buscavam saber se poderia ter havido acesso indevido de auditores da Receita a dados resguardados por sigilo fiscal. E, com essa informação, anular as acusações contra o senador.
Para a Polícia Federal, a reunião indicaria o uso dos aparelhos públicos para resolver problemas particulares da família do presidente, uma vez que a reunião aconteceu dentro do Palácio do Planalto.
"Pariu um rato"
Flávio Bolsonaro divulgou uma nota a respeito do que está contido no áudio da reunião e na sua transcrição. “Mais uma vez, a montanha pariu um rato”, reagiu Flávio. “O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família”, continua.
“A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis. O próprio presidente Bolsonaro fala na gravação que não ‘tem jeitinho’ e diz que tudo deve ser apurado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até hoje não obtive resposta da justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente”.