Sob Bolsonaro, Receita investigou com base em "ilações" de Flávio

Segundo parecer do Fisco, apuração aconteceu após pedido do filho do presidente

Por Da Redação

Receita teria aberto investigação a pedido de Flávio

A Receita Federal elaborou um parecer em que afirma que, durante a gestão de Jair Bolsonaro, o órgão abriu uma investigação a pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apenas com base em “ilações desprovidas de fundamento jurídico e sem nenhuma evidência ou prova objetiva”. O documento, produzido pelo Grupo Nacional de Pareceristas do Fisco, foi feito a pedido da corregedoria do órgão após o Supremo Tribunal Federal (STF) tornar pública na semana passada a íntegra da reunião que Bolsonaro chefiou no Palácio do Planalto, em agosto de 2020, para tratar da suspeita de “rachadinha” que pairava contra o filho.

Na ocasião, tentou-se buscar meios de provar a hipótes de que Flávio havia tido seus dados ficais acessados de forma ilegal pelo Fisco, o que seria a origem das investigações contra ele. Com isso, seria possível anulá-las.

Além do então presidente da República, participaram do encontro duas advogadas de Flávio, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach – essa última não defende mais o senador –, o então diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, e o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.

“Não há nenhuma novidade no áudio liberado pelo STF em relação à Corregedoria da Receita Federal do Brasil, tendo sido demonstradas, de maneira fundamentada e motivada, a precariedade e a absoluta ausência de provas por parte das advogadas no que se refere às acusações e ilações por elas elaboradas”, diz o documento elaborado pelo grupo de pareceristas, em sua conclusão.

Coaf

O enredo público dessa história começou em dezembro de 2018, quando o jornal O Estado de São Paulo revelou um relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indicando movimento financeira atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

A suspeita de que Flávio havia se apropriado de salário de seus funcionários na Assembleia surgiu no momento em que o pai já estava eleito, mas ainda não havia tomado posse.

Reportagens e investigações posteriores mostraram que, após assumir, houve mobilização do presidente da República e seu entorno para tentar anular a investigação.

A reunião de agosto de 2020, tornada pública pelo STF na semana passada no âmbito das investigações da suposta “Abin paralela”, é um exemplo.

Ela resultou em um pedido feito pela defesa do senador para que a Receita realizasse uma apuração especial no Serviço de Processamento de Dados (Serpro) para descobrir se alguém havia acessado os dados de Flávio de forma ilegal.

Invisibilidade

A petição apontava ainda a existência de um suposto “manto de invisibilidade”, ou seja, a existência na Receita de senhas especiais de acesso que não deixariam rastros de quem as havia utilizado. Documentos em 2022 mostrar que, após essa reunião, a Receita Federal negou o pedido de apuração no Serpro, mas mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apuar a acusação de origem ilegal da investigação contra Flávio. A reunião em agosto de 2020 teve como consequência também um encontro no mês seguinte do próprio Flávio Bolsonaro com o então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, na casa do senador.

A suspeita apresentada pela defesa de Flávio tinha como base alegações de auditores fiscais investigados por enriquecimento ilícito no Rio.

Esses servidores afirmavam ter tido dados acessados ilegalmente por dois órgãos da Receita no estado, que formariam uma organização criminosa com o intuito de perseguir desafetos – o Escritório de Corregedoria da 7a Região Fiscal (Escor07) e o Escritório de Pesquisa e Investigação da 7a Região Fiscal (Espei07).

Essas alegações dos auditores haviam resultado, inclusive, em abertura de processo de desfiliação contra os investigadores por parte do Sindifisco, o sindicato da categoria, cuja gestão à época tinha a simpatia da família Bolsonaro. O ex-diretor do Sindifisco Kleber Cabral nega que houvesse alinhamento.

No atual documento preparado pela comissão de pareceristas, a Receita diz que os escritórios citados só têm competência de atuação sobre servidores do próprio órgão. “O Escor07 e a Coger [corregedoria] não investigaram e nem investigam políticos e/ou pessoas que não se enquadrem juridicamente no estatuto dos servidores públicos federais”.

Registra ainda que três dos quatro servidores usados como exemplo em 2020 acabaram “demitidos por improbidade administrativa na modalidade de enriquecimento ilícito” e que os servidores acusados pela defesa de Flávio foram investigados e nenhuma irregularidade foi constatada.

Sobre o “manto de invisibilidade”, o texto assegura que “qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possui registros de quem efetuou o acesso e de quanto foi realizado, independentemente de o servidor atuar na Corregedoria ou nos Escritórios de Pesquisa e Investigação”.

Sobre o processo de desfiliação do Sindifisco, diz que esse foi um instrumento usado pelos auditores investigados e pela então direção do sindicato para tentar macular as investigações sobre enriquecimento ilícito, e que acabou sendo arquivado sem aplicar punições.

Alvo da família Bolsonaro e do doissê de Ramagem, o então chefe do Escor07, Christiano Paes Leme Botelho, acabou exonerado da função em dezembro de 2020. Então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto foi exonerado em dezembro de 2021, também em meio a pressão da família Bolsonaro. (Ranier Bragon/Folhapress)