STF dá início à Comissão que discutirá Marco Temporal
Deputada critica falta de representatividade indígena; novos conflitos acontecem em MS
Com o retorno das atividades, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início, nesta segunda-feira (5), à Comissão de Conciliação sobre o Marco Temporal das terras indígenas. O grupo de trabalho foi designado pelo ministro Gilmar Mendes, que é relator de cinco ações encaminhadas ao tribunal que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023).
O marco temporal de demarcação de terras indígenas determina que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O tema gerou um cabo de guerra entre os poderes Legislativo e Judiciário. Pouco após a Suprema Corte julgar o marco temporal como inconstitucional, o Congresso Nacional editou a Lei 14.701/2023, restabelecendo-o e retomando a discussão.
A proposta é que a comissão negocie um acordo sobre o tema até dezembro. Porém, na abertura dos trabalhos da comissão, o presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, declarou que a Corte irá avaliar as primeiras semanas para “ver se há avanço ou perspectiva real de se chegar a acordo” sobre o tema. “Se não houver, vamos retomar a votação, pura e simplesmente. Portanto, é preciso que haja esforço [de todas as partes]”, disse Barroso.
Membros
A comissão é composta por: seis representantes indicados pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), seis parlamentares indicados pelo Congresso Nacional, quatro integrantes indicados pelo governo federal e dois integrantes dos estados e um dos municípios. Além disso, os autores das ações entregues ao STF, sendo partidos políticos e associações, também podem indicar um representante para compor o grupo.
Dentre os membros indicados pela Câmara dos Deputados, os deputados Pedro Lupion (PP-PR) e Bia Kicis (PL-DF), ambos favoráveis à tese, são os representantes títulares da comissão. Os suplentes são a deputada indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) e o deputado Lucio Mosquini (MDB-RO). Pedro Lupion e Lucio Mosquini são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e Bia Kicis compõem o movimento “Invasão Zero”, criado por produtores rurais contra ocupações em territórios rurais – principal discussão sobre a demarcação.
Por meio das redes sociais, Célia Xakriabá criticou as escolhas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dos parlamentares para discutir o assunto, já que ela é a única contrária ao marco temporal. “Parece deboche nos colocar como 2ª suplente, sabendo que a chance de fala é quase nula. […] Isso mostra bem de que lado o presidente da Câmara está ao privilegiar a bancada do agro e dar nenhuma importância à presença indígena numa conciliação absurda que pretende negociar os nossos direitos constitucionais aos nossos territórios”, criticou a parlamentar.
“Conciliação não pode ocorrer sem a representação indígena e muito menos sem criar condições igualitárias de negociação. Enquanto o tempo corre, o ônus da lei recai sobre os indígenas. Impossível negociar com a faca no pescoço!”, completou Xakriabá.
Violência
A discussão acerca da demarcação de terras indígenas acontece em um momento em que recrudesce a violência em terras com litígio entre indígenas e ruralistas. Nesta segunda-feira (5), indígenas e entidades indigenistas denunciaram que homens armados atacaram pela segunda vez acampamentos Guarani Kaiowá, em Douradina (MS). De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a investida de homens fortemente armados aconteceu pouco após perfis ruralistas começarem a divulgar, nas redes sociais, a informação de que indígenas haviam invadido outras fazendas da região além das que ocuparam recentemente.
Os primeiros ataques aconteceram no sábado (3) na Terra Indígena Panambi-Lagoa Rica, em Douradina. Esse primeiro ataque ocorreu pouco após a Força Nacional deixar o território. De acordo com o Cimi, o grupo atacou os indígenas com armas de balas de borracha e munições letais. Dez pessoas ficaram feridas, duas em situação grave – um indígena foi atingido na cabeça e outro no pescoço.
Os indígenas ouvidos pela Cimi acusam a Força Nacional de ser conivente com o ataque. “Queremos saber a razão da Força Nacional ter saído daqui. Os agentes saíram e o ataque aconteceu. Parece que foi combinado. Queremos entender”, questionou um dos indígenas atingidos para a Cimi. Outro que foi testemunha do caso disse ter ouvido de um agente a frase: “Pega teu povo e sai daqui ou vocês vão morrer”, pouco antes do ataque.
Após o ataque, no domingo (4), Célia Xakriabá encaminhou um requerimento em caráter de urgência ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, solicitando audiência com a delegação Guarani Kaiowá. O documento inclui solicitações de apuração e punição das ações omissas e ameaçadoras de agentes públicos de segurança.