Em resposta a Ortega, Brasil expulsa embaixadora da Nicarágua
Ao Correio, analistas consideram medida esperada, mas avaliam possíveis consequências
Em meio à crise na Venezuela, que refletiu para o resto do mundo, o Brasil pode enfrentar paralelamente outra crise internacional com outro país latino-americano. Na quinta-feira (8), o Ministério de Relações Exteriores (MRE) determinou a expulsão da embaixadora da Nicarágua do Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida foi uma resposta do presidente brasileiro após o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, expulsar o embaixador brasileiro no país, Breno de Souza Brasil Dias da Costa, na quarta-feira (7).
De acordo com a imprensa local, a expulsão do embaixador brasileiro aconteceu devido à ausência do Brasil em um evento em comemoração aos 45 anos da Revolução Sandinista, movimento político popular nicaraguense de espectro ideológico voltado para a esquerda, em 19 de julho. Daniel Ortega é um ex-guerrilheiro sandinista e declarou que a expulsão do brasileiro foi decretada como uma retaliação à ausência brasileira no reconhecimento do movimento sandinista. Segundo o jornal da Nicarágua Divergentes, somente representantes de Cuba, Rússia e Venezuela compareceram ao evento.
Apesar de, à primeira vista, a resposta aparentar não ser amigável, em conversa ao Correio da Manhã, o advogado especialista em política internacional Luizio Rocha avaliou que a decisão do governo brasileiro em expulsar a embaixadora da Nicarágua do Brasil “não deve ser interpretada como uma condenação direta” ao governo de Ortega.
“Essa medida foi uma resposta diplomática apropriada à expulsão do embaixador brasileiro na Nicarágua. Em situações diplomáticas como essa, a resposta esperada é a reciprocidade. Portanto, a expulsão da embaixadora nicaraguense é uma condenação à ação específica da expulsão do embaixador brasileiro, e não uma condenação ao governo nicaraguense em si. Este incidente destaca o desafio que o Brasil enfrenta em suas relações bilaterais baseadas em ideologias. O governo Lula está começando a visualizar na prática que cada situação diplomática deve ser avaliada de forma independente, sem seguir automaticamente um alinhamento ideológico”, destacou Rocha.
Relações diplomáticas
Apesar do histórico de boas relações diplomáticas entre os países, a relação entre Brasil e Nicarágua vem esfriando nos últimos anos, especialmente quando começou na Nicarágua um período de ofensivas contra a Igreja Católica. Em julho de 2023, o papa Francisco pediu para que Lula conversasse com Daniel Ortega sobre a prisão do bispo de Matagalpa, monsenhor Rolando Álvarez. O bispo fora condenado a 26 anos de prisão pelo crime de “traição contra o país” e está isolado no Vaticano. Em conversa com a imprensa internacional, Lula disse que Ortega não atendeu às suas ligações para tentar resolver o assunto, e ambos não conversaram mais desde então.
A reportagem também conversou com a advogada especialista em Direito Internacional Hanna Gomes, que avaliou que o Brasil “tem potencial de influenciar decisões regionais na América Latina” e, consequentemente. da Nicarágua, já que o país é membro “significativo” da comunidade internacional e da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Ela ainda citou as possíveis consequências jurídicas e políticas de uma crise diplomática entre os países: “Restrições comerciais, sanções, a possível intervenção de organismos internacionais movidas pelo Brasil, promovendo ações diplomáticas ou pressionar a resolução de questões de direitos humanos e diplomáticas por meio de fóruns internacionais. Em pior instância, o Brasil pode condenar o regime nicaraguense por violações na busca de uma solução para restaurar a democracia do país. Ou seja, o Brasil pode influenciar uma intervenção internacional na Nicarágua”, afirmou Hanna.
Todavia, Luizio Rocha tem uma avaliação mais otimista sobre a situação e considera que o Brasil tem grande interesse em manter relações bilaterais com a Nicarágua, visto que o país é “chave para o estabelecimento de relações diplomáticas com a América Central”.
“Com a atual crise na Nicarágua, o presidente Lula entende que cada caso deve ser tratado de maneira única. Incidentes diplomáticos envolvendo aliados históricos de Lula, como Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega na Nicarágua, precisam ser analisados de formas distintas”, completou o advogado.