Por: Gabriela Gallo

Esquerda não entendeu empreendedorismo, admite Boulos

Boulos reconhece prejuízo com falta de visão para o empreendedor | Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (Psol) admitiu que a esquerda não tinha projetos, tampouco planejava ou enxergava, os trabalhadores que empreendem. Ele disse isso em entrevista para o UOL nesta quinta-feira (17). Na entrevista – que deveria ter sido um debate, mas o candidado Ricardo Nunes (MDB) não compareceu – o candidato reconheceu que a esquerda não vem enxergando os novos modelos de trabalhadores empresários, principalmente os microempreendedores (MEI) e pequenos empresários do país.

“A gente acaba focando numa parcela dos trabalhadores mais pobres e deixamos de falar com a parcela que foi buscar sua prosperidade de outra forma, por conta própria. Virando MEI, virando Uber, que abriu um salão, que abriu uma oficina. Na ausência desse diálogo, a extrema-direita ocupou esse espaço”, afirmou Boulos.

Ele destacou que seu partido passou por essa reflexão com a popularidade que o candidato Pablo Marçal (PRTB) ganhou no primeiro turno, que defendia o empreendedorismo nas periferias. Apesar de não ter passado para o segundo turno, Marçal ficou apenas 56.853 votos a menos que Boulos, o equivalente a 28,14% de votos válidos, enquanto Boulos teve 29,07%.

O candidato do Psol reiterou que a esquerda precisava dar mais atenção aos eleitores que desejam prosperidade individual. Agarrada a uma ideia antiga de sindicalismo, o candidato destacou que a esquerda perdeu a conexão com esse grupo de pessoas que almejam ser donas do próprio negócio.

Ao Correio da Manhã, o Secretário Executivo da Diretoria do Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), Breno Guimarães, destacou que a fala de Boulos reflete “a necessidade de adaptação, reconhecendo que o eleitorado brasileiro está mais conservador”.

“Nos últimos anos, os partidos de centro e direita cresceram significativamente. Alguns líderes do PT, como [o deputado federal] Washington Quaquá [PT-RJ], também têm defendido uma repaginação do partido, visando garantir a comunicação com as classes econômicas que compõem a maioria do eleitorado, assegurando a competitividade e a relevância do partido no cenário político”, disse Guimarães.

Desatualizada

A reportagem também conversou com o cientista político Márcio Coimbra, que destacou que a atual esquerda do país está desconectada com os avanços da sociedade “nos últimos 20 anos”. E isso também se aplica ao Partido dos Trabalhadores (PT). Segundo Coimbra, Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu ter uma “primeira conexão que funcionou nos primeiros dez anos, no primeiro e segundo mandato dele”.

“Hoje, essa realidade do empreendedorismo é muito incentivada pelo novo papel que a direita vem assumindo desde o impeachment [da ex-presidente Dilma Rousseff] que começou a introduzir essas novas bandeiras. Também com a sessão dos evangélicos que carregam o empreendedorismo como uma forma de autossustentação da população. Isso aos poucos começou a se introjetar na população e o PT continuou com o mesmo discurso. Um discurso que não se modernizou, ainda dentro do sindicalismo, dentro de leis trabalhistas obsoletas e que não dialoga com o povo, que quer emprego, melhores condições de vida e quer mais renda”, reforçou à reportagem.

Na mesma linha, o economista e cientista político Igor Lucena completou que a questão trata de mudanças do ponto de vista filosófico da esquerda para a direita. Enquanto a esquerda tem uma visão filosófica do coletivismo, no qual “o Estado é o agente indutor do desenvolvimento e o grande responsável pelas mudanças sociais na vida das pessoas como um todo”, a direita defende o conceito da meritocracia.

“Ao longo da história, um plano de governo pode ter tido no passado uma mudança grande como o ‘Bolsa Família’, ‘Minha Casa, Minha Vida’ ou até mesmo uma consolidação das leis trabalhistas. Mas hoje, os grandes planos governamentais são incrementais e não mudam a vida das pessoas. Por outro lado, a direita, na visão filosófica, se baseia muito na livre iniciativa. Na visão de que, através do seu trabalho, você é capaz de mudar sua própria vida, sem depender do governo. O governo é importante, mas ele não pode ser o ator principal da vida das pessoas”, completou.

Outro ponto defendido tanto por Coimbra quanto por Lucena é que a esquerda sai em desvantagem por não indicar novos líderes, ao contrário da direita, que abre espaço para novas lideranças, a exemplo do próprio Pablo Marçal.