Por: Karoline Cavalcante

Escândalo do STJ pode abalar todo o Judiciário

Denúncias no STJ poderão afetar e mudar todo o Judiciário | Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

Suposto esquema de corrupção e venda de sentenças envolvendo funcionários do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode “abalar todo o Judiciário” e poderá haver melhoria nas práticas internas de todos os tribunais. É o que avalia ao Correio da Manhã o advogado, que atua na Corte, e analista político em Brasília Melillo Dinis.

A Polícia Federal investiga suspeitas de corrupção nos gabinetes de quatro ministros da Corte: Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro. As informações são de que os trabalhadores estavam atuando com venda de sentenças, ou seja, mediante o pagamento de propina, antecipavam veredictos e alteravam decisões de acordo com o interesse do cliente. Porém, ao que se sabe até o momento, sem o conhecimento dos ministros. A revelação foi feita pela revista Veja na sua edição desta semana.

“Estamos diante de um escândalo que pode abalar todo o Judiciário. Evidente que ainda é uma investigação inicial. Sempre é bom concluir as avaliações após a conclusão delas e com os dados do judiciário. O primeiro cenário é a reação do próprio STJ, que, por sua direção e pela sua tradição, tomará as medidas necessárias para encontrar os responsáveis pelos fatos, se eles se confirmarem”, iniciou Dinis.

“O segundo cenário que se avizinha decorre dos movimentos que ocorrem fora do tribunal. Quem são os interessados, os corruptores, e os casos judiciais, se realmente ocorreram?”, acrescentou o advogado.

O esquema

Segundo as investigações feitas pela Polícia Federal, o esquema funcionou pelo menos até dezembro de 2023, quando um dos possíveis envolvidos, o advogado Roberto Zampieri, foi morto a tiros em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Na cena do crime, a PF teve acesso ao celular da vítima, e, a partir disso, foi aberto um inquérito para apurar o caso.

No aparelho, foram encontradas conversas com o empresário e lobista do ramo de transporte de cargas, Andreson de Oliveira Gonçalves. Os diálogos e os documentos recuperados mostram que havia negociações para postergar casos pelo tribunal, manipulação de mandados de buscas e apreensões, vazamento de pedidos de prisão, rascunho de decisões, comprovantes de pagamento, entre outras irregularidades.

Um dos trechos divulgados mostra o lobista dizendo ao advogado que consegue mudar uma sentença no STJ, mas que é preciso pagar. “Você garante que ela se reverte?” questiona Zampier. “Estamos há meses com o assunto dele, amigo. Você duvida do que eu te falo?”, respondeu Andreson. “Então vamos fazer o que temos que fazer”, voltou Zampieri. “Lógico, manda pagar o da Gallotti que já resolveu, dia 25”, disse Andreson, citando a ministra da Corte. “Eu não duvido não, Andreson, é que tem momentos que as pessoas não têm grana”, explicou Zampieri. “Aí, é f… sem grana não anda”, finalizou o lobista.

Em um dos áudios enviados a Zampieri, Andreson demonstra preocupação com o pagamento das propinas: “Zamp, deixa eu te falar. O amigo tá p... comigo aí e p... com você, viu, cara? Foi o que eu falei pra você, Zamp, quantos dias venho falando desse negócio seu, viu? Ele tá bravo. Vai dar m... esse negócio seu lá, viu? Tô te falando. Esses caras, não pode brincar com eles não, Zampa. Falou no dia, tem que cumprir, cara. Eu falei que estava tentando com você desde cedo e não tô conseguindo. Então, assim, vê o que você vai resolver aí. Eu já tinha marcado hoje com ele, não cumpri. Depois dá uma zica no seu trem lá, cê não briga comigo não, viu?”.

Movimentações atípicas

Segundo apuração da Veja, técnicos encontraram “movimentações financeiras consideradas atípicas” envolvendo o ministro Paulo Moura Ribeiro, que negou qualquer envolvimento com o lobista.

O presidente do STJ, o ministro Herman Benjamin, informou em entrevista ao O Globo, que há um “constrangimento coletivo” e uma “profunda tristeza” entre todos os ministros, que são os maiores interessados em apurar o caso.

“De 16 de outubro de 2023 até 15 de outubro de 2024, entraram no STJ 518 mil processos. Isso significa dizer que cada ministro recebeu 17 mil processos. Isso significa dizer que, contando os dias úteis, os ministros teriam que decidir sobre 197 processos. Dividindo esses dias úteis por oito horas, aproximadamente um processo a cada cinco minutos por ministro. Eu pergunto: isso é viável? Como é que se pode imaginar que um ministro vai ter controle total do seu gabinete quando, a cada cinco minutos, será elaborada uma decisão?”, disse Benjamin ao jornal.

Penal

De acordo com Melillo, a responsabilização dos possíveis culpados, além de administrativa, será penal. E que ainda que não haja muitas informações de envolvimento de ministros, no passado já houve situações no próprio STJ que levaram ao afastamento de membros da Corte.

“O Poder Judiciário tem cada vez mais a atenção do público e da opinião pública. Tenho a impressão de que haverá melhoria nas práticas internas de todos os tribunais, para evitar que a imagem do Poder Judiciário seja abalada por casos assim”, avaliou o advogado.

A denúncia ocorre num momento de mudança no tribunal. Na última terça-feira (15), o STJ definiu as duas listas tríplices com candidatos às vagas em aberto para substituir as ministras que se aposentaram, Laurita Vaz e Assusete Magalhães. Os nomes serão encaminhadas ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que indicará um nome de cada uma das listas para submeter à sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.