Modelo de financiamento de campanha deve ser repensado

Aumento de casos de caixa dois questiona possível volta de doações de empresas privadas

Por Gabriela Gallo

Financiamento público não reduziu irregularidades

A menos de uma semana para o segundo turno das eleições municipais, neste domingo (27), os candidatos a prefeito que disputam o segundo turno em 51 cidades correm contra o tempo para tentar aumentar seu número de eleitores. Mas, após o segundo turno eleitoral, o Congresso Nacional deve voltar à tona com a discussão acerca dos recursos voltados para o financiamento de campanha. Partidos políticos avaliam que o primeiro turno do período eleitoral trouxe a impressão de um aumento dos crimes de caixa dois, compras de votos e até a tentativa de infiltração do crime organizado na política.

Caixa dois consiste na movimentação de recursos financeiros em campanhas eleitorais, sem o devido registro, omitindo os valores aplicados na prestação de contas públicas. O recurso é muito utilizado em casos de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro e, no período eleitoral, é tipificado como falsidade ideológica eleitoral.

Na véspera do primeiro turno, em 2 de outubro, a Polícia Federal (PF) abriu 596 inquéritos para investigar crimes eleitorais, a maioria de caixa dois. De acordo com a PF, foram apreendidos R$ 50,4 milhões relacionados a crimes eleitorais. Destes, R$ 21,8 milhões em dinheiro vivo, que eram destinados tanto para casos de caixa dois quanto para compras de votos.

Esse total superou consideravelmente os valores registrados em anos anteriores. Nas eleições gerais de 2022, foram apreendidos R$ 10 milhões, sendo R$ 5,5 milhões em espécie, e nas eleições municipais de 2020, foram apreendidos R$ 6 milhões, com R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo.

Financiadores

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu as doações de empresas privadas para campanhas eleitorais, julgando-as inconstitucionais. Pessoas físicas são autorizadas a doar até 10% de seus rendimentos. A medida, que foi uma resposta à Operação Lava Jato, visava reduzir custos e impedir um desequilíbrio na disputa política. Em 2018 foi criado do Fundo Eleitoral, que usa de recursos públicos para bancar as campanhas eleitorais de candidatos, seguindo uma série de regras previstas no TSE. Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou o valor de R$ 4,5 bilhões para financiar as campanhas eleitorais.

Todavia, com o eventual crescimento de Caixa Dois, as medidas podem ser repensadas. O líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP), declarou ser um dos defensores do retorno de financiamento de empresas privadas a campanhas eleitorais. E entrevista ao UOL, ele lembrou que era favorável ao fim da medida, porém avaliou que a mudança no financiamento de campanhas eleitorais “fracassou”.

“Fracassou porque a ideia do financiamento público era garantir paridade de armas – que o desprovido de recursos tivesse a mesma condição de disputar a eleição de um grande milionário. Isso não ocorreu. Formou-se uma espécie de oligarquias partidárias que detêm o poder político e o da distribuição de recursos, concentrando cada vez mais recursos nas mãos de poucos”, afirmou o parlamentar.

Questionado, ele disse que ainda não tem certeza se o ideal seria o retorno do financiamento do setor privado ou de um financiamento “semi-público”, com regras.

Todavia, a opinião não é unânime entre representantes do governo. A presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada Gleisi Hoffmann (RS), usou de suas redes sociais para manifestar que, na sua opinião, o retorno de doações de empresas para campanhas eleitorais seria um “grave retrocesso”.

“Caixa dois e compra de votos são crimes que devem ser enfrentados e punidos com rigor. Simples assim. O financiamento público é um avanço democrático contra a influência do poder econômico na política”, defendeu a parlamentar.

Segundo o TSE, até este sábado (19) as doações eleitorais de pessoas físicas ultrapassaram R$ 1 bilhão. A tendência é que o valor aumente até o final da semana. Dentre os principais doadores estão empresários, políticos e agropecuaristas.