Com a deflagração da "Operação Contragolpe" pela Polícia Federal, a possibilidade de avanço do Projeto de Lei (PL 2858/2022), que concede anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, ficou comprometida. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou em entrevista à GloboNews que considera "incogitável" e "irresponsável" tratar do tema neste contexto.
“Acho incogitável falar em anistia nesta quadra e neste quadro. Seria até irresponsável. Como todos sabem, tenho vários interlocutores no meio político, e não me parece que faça qualquer sentido, antes mesmo de termos uma denúncia, se falar em anistia”, afirmou o decano.
Em análise do cientista político Rócio Barreto, dada ao Correio da Manhã, o projeto foi "por água abaixo". “O PL da Anistia foi por água abaixo. Alguns partidos já estão pedindo até o arquivamento do PL da Anistia, e a condição de inelegibilidade do presidente Bolsonaro deverá se manter”, afirmou Barreto.
O Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou, nesta quarta-feira (20), um requerimento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), solicitando o arquivamento do PL da Anistia. O partido considera "de todo inoportuno e inconveniente" a continuidade da tramitação do projeto após a investigação da Polícia Federal e o suposto atentado a bomba na sede do Supremo Tribunal Federal (STF). No pedido, o PT argumentou que o projeto poderia beneficiar os comandantes da "trama golpista".
Operação Contragolpe
Na terça-feira (19), a PF prendeu quatro militares das Forças Especiais e um policial federal envolvidos em uma suposta organização criminosa, responsável por planejar um golpe de Estado e o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que, na época, presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ao autorizar a investigação, Moraes afirmou que há indícios “robustos e gravíssimos” de que os investigados atuaram para executar o planejado. “Os elementos trazidos aos autos comprovam a existência de gravíssimos crimes e indícios suficientes da autoria, além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e, possivelmente, homicídios”, disse o ministro.
De acordo com as apurações, foi identificado um minucioso planejamento operacional denominado “Punhal Verde e Amarelo”, que seria executado no dia 15 de dezembro de 2022, com o objetivo de impedir a posse do governo eleito em 2022. O planejamento detalhado pelos investigados contemplava a utilização de recursos humanos e bélicos para a execução das ações, incluindo técnicas militares avançadas. Além disso, previa a criação de um “gabinete institucional de gestão de crise”, que seria integrado pelos próprios investigados para gerenciar os conflitos institucionais gerados a partir dos ataques.
Um ponto específico do plano faz referência aos codinomes usados para identificar os alvos, sendo "Jeca" uma alusão a Lula e "Joca" a Alckmin. O documento destacava que a eliminação de ambos seria necessária para extinção da chapa vitoriosa. Além disso, sugeria que, devido à vulnerabilidade de saúde de Lula e suas frequentes idas a hospitais, poderia ser utilizado envenenamento ou substâncias químicas para provocar um colapso orgânico no presidente eleito.
Depoimento
Os indícios iniciais surgiram a partir de mensagens recuperadas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com o coronel do Exército Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro. As conversas indicavam que os investigados estavam monitorando Alexandre de Moraes.
“A investigação conseguiu identificar novos elementos de prova que comprovaram a efetiva realização de atos voltados ao planejamento, organização e execução de ações para monitorar o ministro Alexandre de Moraes”, afirmou a PF.
Cid prestou depoimento à Polícia Federal na terça-feira (19) e está agendado para um novo interrogatório nesta quinta-feira (21), com o objetivo de esclarecer contradições em sua delação premiada, na qual se comprometeu a revelar os fatos dos quais teve conhecimento durante o governo de Bolsonaro.
Kids Pretos
Foram presos preventivamente os militares do Exército Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra Azevedo, o general da reserva Mário Fernandes, e o agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares, todos membros do grupo denominado “Kids Pretos”.
Durante a operação, além das prisões, foram cumpridos três mandados de busca e apreensão e 15 medidas cautelares diversas da prisão. Entre as medidas, destacam-se a proibição de contato com outros investigados, a proibição de deixar o país — com a entrega dos passaportes no prazo de 24 horas — e a suspensão das funções públicas dos envolvidos. A operação teve apoio do Exército Brasileiro e foi realizada nos estados do Rio de Janeiro, Goiás, Amazonas e no Distrito Federal.
De acordo com a PF, os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Planalto
A Polícia Federal também identificou que o documento foi impresso por Mário Fernandes no Palácio do Planalto, em 09/11/2022, quando o então presidente Jair Bolsonaro estava no local. Após a impressão, o documento foi levado ao Palácio da Alvorada, residência oficial de Bolsonaro à época. No mesmo período, também foi registrada a presença de Mauro Cid e Rafael De Oliveira no local.
Além disso, foi mencionado que uma reunião entre Cid e Oliveira ocorreu na residência do general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro em 2022. Após o encontro, um documento intitulado "Copa 2022" começou a circular entre os investigados. Segundo a Polícia Federal, o documento formalizava o apoio ao plano, além de detalhar as necessidades logísticas e os recursos necessários para a execução da operação clandestina do grupo.
O ex-presidente não se manifestou sobre a operação conduzida pela PF. No entanto, seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), criticou a decisão judicial, considerando-a antidemocrática. Ele usou as redes sociais para afirmar que "pensar em matar alguém não é crime".
"Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido. Sou autor do projeto de lei 2109/2023, que criminaliza ato preparatório de crime que implique lesão ou morte de 3 ou mais pessoas, pois hoje isso simplesmente não é crime. Decisões judiciais sem amparo legal são repugnantes e antidemocráticas", afirmou.
Por um detalhe
Em entrevista à imprensa, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse que falou com Lula por telefone e ele se mostrou “surpreso e estupefato” com as revelações da investigação. "Estava surpreso, estupefato com a dimensão deste golpe. Ele não podia imaginar que poderia ser vítima fatal desses agentes criminosos", disse Lewandowski.
Em meio à programação do G20, no Rio de Janeiro, o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, afirmou que o plano de assassinato das autoridades brasileiras "só não se concretizou por um detalhe". “Estamos falando de uma ação concreta, objetiva, que revela elementos extremamente graves sobre a participação de pessoas próximas ao governo [Jair] Bolsonaro no golpe que tentaram executar no Brasil, impedindo a posse do presidente e do vice-presidente eleitos”, declarou Pimenta.
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD), também se manifestou, classificando as suspeitas de envolvimento de militares como “extremamente preocupantes”. “Não há espaço no Brasil para ações que atentem contra o regime democrático, e muito menos para quem planeja tirar a vida de qualquer pessoa. Que a investigação alcance todos os envolvidos, para que sejam julgados com o rigor da lei”, afirmou Pacheco.