Por: Mateus Lincoln

CPI convoca Gusttavo Lima e convida Felipe Neto para depoimentos

Relatora chamou atenção para a relação do cantor com a VaideBet | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, no Senado Federal, aprovou nesta terça-feira (26) a convocação do cantor Gusttavo Lima e o convite ao influenciador Felipe Neto. Ambos deverão explicar suas relações com empresas de apostas esportivas online, conhecidas como Bets. A convocação de Gusttavo Lima é obrigatória, enquanto Felipe Neto poderá decidir se comparecerá ou não. As convocações já eram haviam sido anunciadas desde a primeira sessão da Comissão.

A CPI apura a crescente influência das apostas online no orçamento de famílias e possíveis ligações entre essas empresas e práticas ilícitas, como lavagem de dinheiro. O cantor sertanejo teve seu nome relacionado à Operação Integration, da Polícia Federal (PF), que investiga o uso de apostas para ocultação de recursos. Ele também comprou participação em uma casa de apostas, a VaideBet, que é alvo da operação.

A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da CPI, afirmou que a convocação de Gusttavo Lima é essencial para esclarecer “o nível de envolvimento com esse mercado, incluindo possíveis irregularidades em contratos de patrocínio”. “Como uma figura pública influente, sua atuação pode ajudar a compreender o impacto de celebridades na promoção de apostas online, especialmente entre consumidores mais vulneráveis”, salientou Soraya em sessão.

Felipe Neto, por sua vez, foi convidado por ter promovido, por dez meses, uma casa de apostas. O influenciador admitiu publicamente que essa foi uma decisão equivocada e encerrou o contrato. Segundo o senador Dr. Hiran (PP-RR), presidente da comissão, o depoimento de Neto poderá revelar detalhes sobre as condições de contratos entre influenciadores e empresas de apostas, como valores e benefícios envolvidos.

Além das convocações, os senadores aprovaram pedidos de informações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), incluindo relatórios relacionados às transações financeiras de Gusttavo Lima e suas empresas. A relatora também questionou a validade de autorizações emitidas pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) para funcionamento de algumas Bets no Brasil.

A CPI também aprovou convites e convocações de outras figuras ligadas ao mercado de apostas, como o CEO da Bet Nacional, João Studart, e o dono da Sportingbet, Marcus da Silva. Também foram chamados representantes de órgãos públicos, incluindo a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda e a Secretaria Nacional do Consumidor, para debater os impactos econômicos e sociais desse setor.

O colegiado segue apurando o funcionamento das Bets e sua influência sobre o endividamento das famílias brasileiras. A relatora destacou que a CPI busca “transparência sobre os contratos e as relações financeiras que envolvem esse mercado, com foco em proteger a população dos efeitos negativos”.

Com o avanço das investigações, a comissão pretende consolidar dados para propor uma regulamentação mais rigorosa do setor, que tem movimentado bilhões no país.

Análise do cenário de apostas
O senador Omar Aziz (PSD-AM) apresentou um estudo divulgado em setembro pelo Banco Central (BC), a pedido pelo próprio senador. O relatório trata do impacto das plataformas de apostas online no Brasil. O senador chamou a atenção para o volume financeiro movimentado por essas empresas e os reflexos na economia e na sociedade.

"Os números apresentados pelo BC são assustadores. Estamos falando de um gasto de R$20 bilhões por mês com apostas online nos primeiros oito meses de 2024. Isso não é um dado frio, é um reflexo de como as famílias estão sendo impactadas por esse fenômeno", afirmou Aziz.

Ele ainda destacou relatos preocupantes sobre o uso indevido de benefícios sociais para apostas. "Recebi informações do presidente do Banco Central, Roberto Campos [Neto], de que até recursos do Bolsa Família estão sendo usados indiscriminadamente em apostas. E o mais chocante: de 100% do valor apostado, apenas 0,8% retorna aos jogadores. Os outros 99,2% ficam com as plataformas de apostas. Isso é algo que precisamos discutir com urgência", declarou.

Aziz também cobrou a presença de lideranças econômicas para aprofundar as investigações e relatou ainda um caso que ilustra as consequências sociais das apostas. "Um empresário que pensa politicamente diferente de mim, o dono da Havan, me contou algo que me deixou estarrecido. Ele relatou que funcionários estão pedindo demissão para receber a indenização e pagar dívidas de jogo. Isso mostra o quanto essas plataformas estão destruindo famílias e colocando a economia de pessoas em risco", pontuou.

Sobre a regulamentação do setor, Omar Aziz lembrou a necessidade de controle rigoroso. "Não se trata apenas de regularizar, mas de regulamentar de forma responsável. Precisamos estabelecer quem pode jogar, quais jogos são permitidos e como fiscalizar essas plataformas. Hoje, você entra em um site e é praticamente um cassino online. E, sinceramente, é muito mais fácil fiscalizar um cassino presencial do que uma plataforma digital que opera do outro lado do mundo", explicou.

Investigações

A reunião da CPI contou ainda com depoimentos de especialistas e autoridades policiais. O delegado Paulo Gustavo Gondim de Sousa, da Polícia Civil de Pernambuco, detalhou investigações que apontam para o uso de plataformas de apostas online em esquemas de lavagem de dinheiro. Segundo ele, há fortes indícios de que os pagamentos realizados a influenciadores e clubes de futebol não são feitos diretamente pelas Bets, mas por intermediadoras financeiras, dificultando o rastreamento de valores.

Gondim apresentou à CPI das Bets informações sobre irregularidades em casas de apostas que operam no Brasil. Ele destacou que muitas empresas atuam sob o pretexto de estarem sediadas no exterior, mas funcionam integralmente no país. "Essas casas utilizam paraísos fiscais, como Curaçao, para registrar as operações, mas a investigação comprovou que toda a estrutura, incluindo funcionários e transações, ocorre aqui", afirmou o delegado.

Segundo ele, a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, iniciada com a Lei 14.790/2023, só permitirá o funcionamento legal dessas empresas a partir de janeiro de 2025, após a concessão de licenças pelo Ministério da Fazenda. "Hoje, a operação dessas plataformas é proibida, e muitas delas seguem atuando sem a devida autorização, o que configura crime", explicou.

Paulo Gustavo mencionou que a Operação Integration investigou duas empresas específicas: a Sport da Sorte e a Vaidebet. Ambas têm registro formal em Curaçao, mas, conforme o delegado, operam efetivamente no Brasil, com sedes administrativas em Recife (PE) e Campina Grande (PB).

"Funcionários dessas empresas são contratados por companhias do mesmo grupo no Brasil, e não há registro de movimentação financeira internacional, o que reforça a atuação irregular", detalhou o pernambucano.

Ele também apontou o uso de intermediadoras de pagamento como estratégia para mascarar as receitas das casas de apostas. "Os valores não aparecem diretamente como rendimentos das plataformas, mas sim como pagamentos processados por empresas terceirizadas. Isso dificulta o controle fiscal e a identificação das receitas reais", disse.

O delegado revelou que algumas dessas empresas, mesmo irregulares, têm investido milhões em publicidade, incluindo contratos com influenciadores digitais. "Um exemplo que identificamos é o de uma influenciadora nacional, cuja empresa recebeu R$19 milhões de uma única casa de apostas em 2023", afirmou.