O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira (26) retirar o sigilo da investigação da Polícia Federal (PF) que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas por suposto planejamento para realizar um golpe de Estado nas eleições de 2022. O documento será agora encaminhado para a análise do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
No despacho que determina o encaminhamento do material, Moraes afirma que “não há mais necessidade da manutenção do sigilo desses autos”. “É certo que, diante da apresentação do relatório final e do cumprimento das medidas requeridas pela autoridade policial, não há necessidade de manutenção da restrição de publicidade”, declarou.
No entanto, o ministro determinou a manutenção do sigilo da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. “Ressalto, no atual momento procedimental, a manutenção do sigilo da Pet 11.767/DF, relativa ao acordo de colaboração premiada de Mauro César Barbosa Cid, em razão da existência de diligências em curso e outras em fase de deliberação”, decidiu Moraes.
Próximo ano
Gonet terá a responsabilidade de decidir se os indiciados serão formalmente denunciados à Suprema Corte ou não. No entanto, como antecipado pelo Correio da Manhã, o julgamento deve ocorrer em 2025. Isso porque, com o recesso do STF, que começa no final de dezembro, a análise da denúncia e o julgamento dos indiciados devem acontecer apenas no início do próximo ano.
O cientista político Isaac Jordão explica que a "demora" no processo atende a dois objetivos da PGR: permitir tempo para uma análise mais aprofundada do inquérito, possivelmente sugerindo novas investigações, e evitar que a denúncia fique parada no STF durante o recesso. “Além disso, a ideia é garantir que a denúncia seja robusta e sustentada juridicamente”, explicou.
A expectativa é que, caso a PGR opte por realizar as denúncias, o julgamento poderá ser conduzido pela Primeira Turma do STF. O colegiado é composto por Moraes e pelos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin, que preside a turma.
Relatório
Entre as 884 páginas do relatório da Polícia Federal, o nome de Bolsonaro é citado ao menos 530 vezes. De acordo com a corporação, os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram “de forma inequívoca” que o ex-presidente esteve diretamente envolvido com o planejamento da organização criminosa e que o fato não se consumou “em razão de circunstâncias alheias à sua vontade”.
“Dando prosseguimento à execução do plano criminoso, o grupo iniciou a prática de atos clandestinos com o objetivo de promover a abolição do Estado Democrático de Direito, dos quais Jair Bolsonaro tinha plena consciência e participação ativa”, diz o relatório.
Em um dos trechos, a PF informa que o arcabouço probatório indica que Bolsonaro liderou o grupo investigado, criando e disseminando a falsa narrativa sobre a vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação desde 2019. O objetivo era sedimentar na população a falsa ideia de fraude eleitoral, para posteriormente utilizar essa narrativa em dois momentos: primeiro, para não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral, e, segundo, como fundamento para os atos que ocorreriam após sua derrota nas eleições de 2022.
Adicionalmente, foi identificado um plano para a evasão e fuga do então presidente, “caso seu ataque ao poder Judiciário e ao regime democrático sofresse algum revés que colocasse sua liberdade em risco”.
Zero conhecimento
Em entrevista coletiva à imprensa no aeroporto de Brasília na segunda-feira (25), Jair Bolsonaro afirmou ter “zero conhecimento” sobre o plano de golpe, e revelou que estava insatisfeito com o resultado das eleições de 2022, mas tentou resolver a questão “dentro das quatro linhas da Constituição”.
“A palavra ‘golpe’ nunca esteve no meu dicionário. [...] Não convoquei ninguém e não assinei papel. Eu procurei saber se existia alguma maneira na Constituição para resolver o problema. Não teve como resolver, descartou-se”, destacou Bolsonaro. “Ninguém vai dar golpe com general da reserva e mais meia dúzia de oficiais. É um absurdo o que estão falando. Da minha parte, nunca houve discussão de golpe. Agora, todas as medidas possíveis, dentro das quatro linhas da Constituição, eu tentei”, acrescentou.
Relembre
Na terça-feira da última semana (19), a PF prendeu quatro militares das Forças Especiais e um policial federal envolvidos em uma suposta organização criminosa responsável por planejar um golpe de Estado e o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes, que na época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De acordo com a PF, as provas foram obtidas por meio de diversas diligências policiais realizadas ao longo de quase dois anos, com base em quebra de sigilos telemáticos, telefônicos, bancários, fiscais, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas devidamente autorizadas pelo Judiciário.
A individualização das condutas foi possível devido à divisão das tarefas entre seis grupos: o Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderir ao Golpe de Estado; Núcleo Jurídico; Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas; Núcleo de Inteligência Paralela; e o Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
A Polícia Federal encerrou as investigações na última quinta-feira (21) e o relatório final foi encaminhado à Suprema Corte. No documento, as 37 pessoas foram indiciadas pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. Além de Bolsonaro, estão na lista nomes como o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto; o presidente do Partido Liberal Valdemar Costa Neto; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ); o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno; e Mauro Cid, entre outros.
O advogado especialista em direito penal, Oberdan Costa, explica que a existência deste plano, ainda que não tenha sido efetivado, já configura um crime contra o Estado Democrático de Direito. “Além dos planos, já havia militares em campo monitorando o ministro Alexandre de Moraes, ensaiando o início dessa execução. Pode-se dizer que tem-se aí um crime contra o Estado Democrático de Direito plenamente configurado”, diz o advogado à reportagem.