G20: foco em combate à fome e mudanças de governanças globais
Confira destaques do encontro; Em paralelo ao G20, Brasil e Argentina firmam acordo de energia renovável
Na noite desta segunda-feira (18) foi publicada a Declaração de Líderes do G20, com consenso entre os presidentes presentes no evento. No Rio de Janeiro, a 19ª Cúpula do G20 (grupo formado entre as 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia e a União Africana), como se era esperado, foi marcada por discursos contra a fome e desigualdades e mudanças climáticas.
Os três temas prioritários da declaração são: o combate à fome e à pobreza; a sustentabilidade e enfrentamento às mudanças climáticas; e a reforma da governança global, com mais representatividade de países emergentes em órgãos internacionais. Outros temas registrados no documento são o fim das guerras entre Rússia e Ucrânia e os conflitos entre Israel e a Faixa de Gaza. Além disso, as autoridades também chamam a atenção para a taxação dos chamados ultra-ricos (nomeados como "indivíduos com patrimônio líquido ultra-alto"), além de levantar sobre o uso da inteligência artificial (IA).
Em seu discurso de abertura na cidade maravilhosa, nesta segunda-feira (18), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), destacou que a reunião entre as autoridades globais nunca se fez tão necessária.
“Estive na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington [EUA] no contexto da crise financeira de 2008. Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior. Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Os fenômenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os cantos do planeta. As desigualdades sociais, raciais e de gênero se aprofundam, na esteira de uma pandemia que ceifou mais de 15 milhões de vidas”, destacou o presidente brasileiro.
De todas as autoridades convidadas, apenas o presidente russo, Vladimir Putin, não compareceu ao encontro. Porém, a Rússia foi representada pelo ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov.
Aliança contra a Fome
Principal tema destacado pelo Brasil, o presidente brasileiro anunciou a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O tema fora proposto anteriormente pelo Brasil como uma aliança de diversos países do mundo para acelerar os esforços globais para erradicar a fome e a pobreza, que são prioridades centrais nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Ao confirmarem apoio ao grupo, o país ou entidade se compromete a buscar alternativas para reduzir a fome e a pobreza, em âmbito nacional.
Em seu discurso, Lula relembrou que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em 2024, foi registrado um total de 733 milhões de pessoas subnutridas. “É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome. São mulheres, homens e crianças, cujo direito à vida e à educação, ao desenvolvimento e à alimentação são diariamente violados”, disse.
“Em um mundo que produz quase seis bilhões de toneladas de alimentos por ano, isso é inadmissível. Em um mundo cujos gastos militares chegam a 2,4 trilhões de dólares, isso é inaceitável. A fome e a pobreza não são resultado da escassez ou de fenômenos naturais. Como dizia o cientista e geógrafo brasileiro Josué de Castro, ‘a fome é a expressão biológica dos males sociais’. É produto de decisões políticas, que perpetuam a exclusão de grande parte da humanidade”, completou o presidente brasileiro.
A surpresa do dia sobre o tema foi a inclusão de última hora da Argentina em aderir à iniciativa do Brasil. Inicialmente, o presidente Javier Milei havia declarado que não faria parte do grupo, tampouco iria aderir a qualquer movimentação voltada para o meio ambiente. Porém, na última hora, o mandatário argentino voltou atrás com a decisão. A medida permite que o país figure como um dos membros fundadores da plataforma independente internacional criada para captar recursos para financiar políticas de transferência de renda em países.
Com a adesão da Argentina, a aliança conta com 82 países, além da União Africana e da União Europeia, nove instituições financeiras, 24 organizações internacionais e 31 entidades filantrópicas e não governamentais, totalizando 148 membros fundadores.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi o único banco que anunciou apoio à aliança e declarou um aporte de US$ 25 bilhões (o equivalente a R$ 146 bilhões no câmbio atual), sujeito à aprovação da diretoria. Os empréstimos serão destinados a projetos na América Latina e no Caribe. Ao todo, nove instituições financeiras aderiram à aliança.
Governança Global
Outro destaque discutido entre as autoridades locais é a necessidade de uma reforma na governança global. A temática foi discutida inicialmente na Cúpula de Presidentes dos Parlamentos do G20 (P20), encontro global entre parlamentares membros do G20 que aconteceu no Congresso Nacional no início do mês. O P20 serve como uma “prévia” do que será debatido na Cúpula do G20.
A proposta dessas alterações é modernizar instituições internacionais para trazer maior representatividade em um mundo multipolar. Dentre as mudanças, estão uma reforma do Conselho de Segurança da ONU para torná-lo mais representativo, incluir a União Africana como membro pleno do G20 (visto que o membro pleno até o momento é a África do Sul) e trazer maior representação de países em desenvolvimento econômico em instituições financeiras multilaterais como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial.
De acordo com Lula, as mudanças são essenciais para evitar novos conflitos em escalas globais e, no pior dos casos, uma nova guerra mundial ou de uma crise econômica de escala planetária. “A resposta para a crise do multilateralismo é mais multilateralismo. Não é preciso esperar uma nova guerra mundial ou um colapso econômico para promover as transformações de que a ordem internacional necessita”, disse.
Taxação Super Ricos
Tema considerado como polêmico, a taxação dos entitulados super-ricos ainda é um tema em avaliação, apesar de constar na Declaração de Líderes do G20. Neste tema, Javier Milei também se posicionou completamente contrário e segue contrário à medida.
Em seu discurso, Lula afirmou que considera "urgente rever regras e políticas financeiras que afetam desproporcionalmente os países em desenvolvimento”.
“Em um momento, escolheu-se ajudar bancos em vez de ajudar pessoas. Optou-se por socorrer o setor privado em vez de fortalecer o Estado. Decidiu-se priorizar economias centrais em vez de ajudar países em desenvolvimento. O mundo voltou a crescer, mas a riqueza gerada não chegou aos mais necessitados. Não é surpresa que a desigualdade fomente o ódio, extremismo e violência, nem que a democracia esteja sob ameaça”, afirmou o chefe do Executivo brasileiro.
Como alternativa, o brasileiro citou estudos do Ministério da Fazenda, que aponta que uma taxação de 2% sobre o patrimônio de indivíduos super-ricos poderia gerar US$ 250 bilhões por ano (em torno de (cerca de R$ 1,3 trilhão) para serem investidos no combate à desigualdade e ao financiamento da transição ecológica.
O tema foi enfatizado por Lula após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defender que a proposta não deve ser adotada de forma unilateral pelo Brasil para evitar possíveis fugas de capitais no país. “Quando falamos em taxação de patrimônio, isso tem que ser internacional. Países que tentaram taxar grandes fortunas tiveram fuga de capitais, mas se é de forma internacional não há como fugir", disse Haddad em entrevista para o canal "CNBC", neste domingo (17).
De acordo com os critérios estabelecidos pela revista internacional Forbes, super-rico é a pessoa que tem patrimônio acumulado superior a US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões).
Energia
Paralelamente aos tópicos discutidos no G20, o Brasil e Argentina firmaram, nesta segunda-feira, um acordo voltado para energia renovável. O Ministério de Minas e Energia (MME) assinou um Memorando de Entendimento com a Argentina para viabilizar a exportação de gás natural argentino ao Brasil. A medida cria um grupo de trabalho bilateral para identificar as medidas necessárias para viabilizar a oferta do Gás de Vaca Muerta, no norte da Patagônia.
Dentre as medidas, estão o estudo da viabilidade econômica das rotas logísticas, considerando a possível expansão da infraestrutura existente dos dois países, por meio da qual estima-se uma viabilidade de movimentação de dois milhões de metros cúbicos por dia no curto prazo, aumentando nos próximos três anos para 10 milhões, até atingir 30 milhões em 2030.
A medida aconteceu poucos dias após o Senado Federal aprovar o projeto de lei que regulamenta o mercado de crédito de carbono em todo território nacional.