Crise da carne brasileira: Autoridades rebatem boicote francês

Declarações polêmicas dos franceses provocam reação do governo e do Congresso

Por Mateus Lincoln

Governo, Congresso e associações reagem às acusações francesas sobre produção nacional

Na última semana, o CEO da rede internacional de hipermercados francesa Carrefour,
Alexandre Bompard, anunciou que a rede deixará de vender carnes do Mercosul, alegando que as carnes não seguem normas sanitárias europeias. Na quarta-feira (27), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), respondeu durante o Encontro Nacional da Indústria, em Brasília, reafirmando que, apesar da oposição francesa, pretende assinar o acordo Mercosul-União Europeia ainda este ano.

Sobre as críticas que compararam a carne brasileira a “lixo”, Lula disse: “os franceses não apitam mais nada. O acordo será conduzido pela Comissão Europeia. Estou há 22 anos nisso e nós vamos fazer.” Ele também criticou o protecionismo francês, pressionado por seus agricultores, e defendeu o fortalecimento do agronegócio brasileiro.

O presidente destacou a importância de ampliar o comércio com novos mercados, mencionando acordos estratégicos com a China e parcerias planejadas com a Índia. “Queremos aproveitar mercados ascendentes e colocar a indústria brasileira lá dentro”, afirmou.

Ainda na quarta-feira, a Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado aprovou um requerimento para ouvir o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, e o diretor-presidente do Carrefour Brasil, Stéphane Macquarie. A senadora Tereza Cristina (PP-MS) destacou a importância de obter a posição oficial da França sobre as críticas à qualidade da carne brasileira.

Retratação francesa

O Ministério da Agricultura, Carlos Fávaro, que havia questionado o posicionamento do grupo, recebeu na terça-feira (26) uma carta do Carrefour esclarecendo a situação. “Sabemos que a agricultura brasileira fornece carne de alta qualidade. Pedimos desculpas se houve mal-entendido”, dizia o comunicado.

O pedido de desculpas não foi o suficiente para algumas autoridades brasileiras. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), considerou a resposta “fraca” e defendeu uma posição firme. “Não podemos minimizar o que aconteceu. Essa narrativa falsa precisa ser combatida. É uma escalada de narrativas que não são verdadeiras sobre a produção brasileira”, declarou ele ao defender a aprovação do projeto que trata da reciprocidade de medidas de proteção ambiental em relações comerciais entre os países.

A França nas importações brasileiras

Após a carta de retratação, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) informou em nota que recebeu com satisfação o pedido de desculpas e o reconhecimento da excelência do produto nacional. “Esperamos que, com isso, as operações da rede francesa sejam restabelecidas. A agroindústria brasileira é destaque no mundo e atende aos mais altos padrões de qualidade, sanitários e ambientais dos mercados mais exigentes globalmente”, enfatizou a associação.

Vale lembrar que, quando se analisam as exportações de carne bovina, a França não figura entre os principais compradores. Segundo uma análise da Abiec dos números divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) divulgados em 6/11, a China é o maior comprador. Somente entre janeiro e outubro, os chineses importaram quase 159.595 toneladas, o que equivale a 54,4% do montante. A diferença é grande quando se compara com os dados do segundo maior comprador, os Estados Unidos, que importaram 27.940 toneladas, cerca de 10,4% do volume.

FPA

O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), defendeu a aprovação do projeto de lei da Reciprocidade, que exige que produtores de países que impõem barreiras aos produtos brasileiros sigam a legislação de produção do Brasil ao exportar para o país.

Segundo ele, o texto precisa ser ajustado para evitar conflitos com países que respeitam as normas brasileiras, mas a urgência deve ser votada nos próximos dias. “A prioridade é levar a proposta ao Plenário da Câmara e apensá-la ao texto do Senado”, afirmou Lupion ao Correio da Manhã, destacando o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira.

Lupion também criticou as declarações de parlamentares franceses, que compararam a carne brasileira a “lixo”, classificando-as como exageradas e motivadas por pressão de produtores locais. Ele defendeu a agropecuária brasileira como ambientalmente responsável, ressaltando que o Brasil é o único país capaz de triplicar a produção de alimentos nos próximos anos, enquanto preserva no mínimo 20% de suas propriedades rurais, conforme a legislação ambiental. “A nossa produção alia responsabilidade social, preservação ambiental e técnicas reconhecidas mundialmente, como o plantio direto”, concluiu.

Mercosul

O senador Nelsinho Trad (PSD/MS), presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, expressou à reportagem preocupação com os boicotes a produtos brasileiros anunciados por setores europeus, especialmente por redes varejistas francesas. Segundo o senador, essas ações prejudicam as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e representam uma atitude protecionista que afeta diretamente os produtores brasileiros.

Trad destacou que o Brasil segue padrões rigorosos de sustentabilidade e normas internacionais, ressaltando os investimentos em rastreabilidade e preservação ambiental. “Essa decisão unilateral foi uma bofetada, uma atitude infeliz. Ela prejudica quem sempre seguiu padrões rigorosos de qualidade de exportação. O Brasil não pode aceitar uma atitude que compromete produtores que trabalham e investem na sustentabilidade do setor agropecuário do nosso país”, afirmou.

O senador anunciou que levará o tema à plenária do Parlasul, em 9 de dezembro, em Montevidéu, para debater o impacto do boicote com os países do bloco. Ele também mencionou a forte reação de frigoríficos, produtores e do governo brasileiro. Trad classificou como “desastrosa” a declaração de um representante do Carrefour que criticou a carne brasileira, afirmando que “não vamos aceitar uma situação como essa de degradação dos nossos produtos”.

A Comissão de Relações Exteriores já convidou o embaixador da França e representantes do Carrefour para prestar esclarecimentos. Trad reforçou o compromisso em defender os produtores nacionais e buscar soluções no Parlamento do Mercosul.