STF adia julgamento das regras do Marco Civil da Internet

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Toffoli leu dois tópicos do seu voto, mas a sessão foi adiada

Por Mateus Lincoln

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adiaram, nesta quinta-feira (28), sem a apresentação dos votos, a conclusão do julgamento de quatro ações que questionam dispositivos do Marco Civil da Internet (MCI). A audiência foi remarcada para a próxima quarta-feira (4).

As discussões envolvem a responsabilização de plataformas digitais por conteúdos de terceiros, a remoção de postagens ofensivas e o acesso a dados em aplicativos de mensagens, incluindo a possibilidade de indenizações por danos morais em casos de postagens irregulares que não sejam removidas, mesmo sem ordem judicial prévia.

Durante a sessão, o relator de um dos processos, ministro Dias Toffoli, apresentou parte de seu voto e destacou que, com mais de dez anos de vigência, o MCI precisa ser revisitado à luz das mudanças tecnológicas e sociais provocadas pela internet. Ele enfatizou ainda a importância da regulação judicial para evitar decisões arbitrárias por parte de plataformas.

Toffoli destacou a neutralidade de rede, limites de responsabilidade e o impacto das transformações tecnológicas. Ele diferenciou provedores de infraestrutura, de provedores de aplicações, que podem ser responsabilizados em casos específicos.

No contexto do Marco Civil da Internet, Toffoli ressaltou que a responsabilização de provedores por conteúdos de terceiros ocorre apenas após ordem judicial específica, exceto em casos de violação de direitos autorais ou exposição de conteúdos íntimos sem consentimento, que possuem regras distintas. Essa estrutura visa preservar a liberdade de expressão e evitar censura ou monitoramento em massa.

No centro do debate está o artigo 19 da lei, que estabelece a necessidade de ordem judicial para responsabilizar provedores por danos causados por postagens de usuários. Essa regra busca garantir liberdade de expressão, mas é contestada em casos que demandam maior rapidez na exclusão de conteúdos prejudiciais. Além disso, o tribunal analisa o bloqueio de aplicativos de mensagens, por descumprimento de decisões judiciais que ordenam a quebra de sigilo de comunicações.

Avaliação

O economista e mestre em Ciência Política, Ricardo Caldas, destacou os riscos de violações constitucionais em decisões sobre a remoção de conteúdos na internet. "Eu acredito que qualquer autoridade que retira conteúdos da internet, em princípio, está violando a Constituição Federal, que garante a liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros por todos os meios, seja televisão, rádio ou internet", afirmou.

Segundo Caldas, é essencial diferenciar situações específicas, em que há decisão judicial determinando a remoção de conteúdos, de cenários em que uma autoridade toma decisões arbitrárias. "No caso de um processo de difamação, onde uma das partes solicita a retirada porque se sentiu ofendida, a situação é diferente, pois há um respaldo judicial para isso. Porém, se uma autoridade, ainda que judicial, decide por conta própria o que pode ou não ser publicado, estamos diante de censura prévia", explicou.

Trazendo outra análise sobre o julgamento, o advogado, professor de Direito e especialista em políticas públicas, Rodolfo Tamanaha, explicou que o MCI surgiu como um marco regulatório para o ambiente digital, com o objetivo de evitar restrições excessivas à economia digital.

"A lógica era se distanciar de uma regulação muito intensa, que poderia dificultar o desenvolvimento da economia digital. O artigo 19 estabelece que as plataformas são responsáveis por conteúdos de terceiros somente após decisão judicial determinando a remoção, caso contrário, podem ser penalizadas", detalhou.

Tamanaha destacou que essa abordagem foi pensada para dar liberdade ao crescimento de modelos de negócios digitais, evitando ônus excessivo para as empresas e riscos de censura.

No entanto, ele reconheceu que a liberdade garantida pelo MCI também trouxe desafios, como o aumento de discursos de ódio. "Apesar dos problemas, não acredito que seja o momento de criar uma regulação mais incisiva. Esses desafios são mais de ordem educacional do que algo que necessite de alterações legais no Marco Civil".

Para o advogado, o artigo 19 é constitucional e pode ser mantido sem alterações. Ele defendeu alternativas, como compromissos entre plataformas ou atos infralegais, para criar um ambiente digital mais saudável. "Declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 não é a solução. Há outras formas de equilibrar a liberdade de expressão e a proteção de direitos", concluiu.

Em contrapartida, a advogada e mestre em Direito Privado, Tecnologia e Inovação, Mayara Barretti, criticou o artigo 19 do MCI, apontando os desafios que ele impõe às vítimas de conteúdos ilícitos. "O artigo fixa um fardo desproporcional às vítimas ao condicionar a remoção de conteúdos à obtenção de ordem judicial", afirmou.

Ela argumentou que o requisito é um obstáculo significativo, considerando o tempo, os custos financeiros e o esforço emocional envolvidos. "Mesmo com a possibilidade de gratuidade de justiça ou uso de Juizados Especiais, o sistema permanece complexo, oneroso e inacessível para muitos, especialmente para os mais vulneráveis", destacou.

Por fim, Mayara defendeu que o STF deveria buscar um equilíbrio entre a proteção dos direitos das vítimas e a autonomia das plataformas digitais. "A exigência de ordem judicial transfere o ônus para as vítimas e desconsidera os desafios específicos do ambiente digital. O STF tem a oportunidade de ajustar os parâmetros do artigo 19 para garantir maior eficácia na tutela de direitos no ambiente digital", concluiu.