A insatisfação podia ser medida pela data. Normalmente, o Congresso não costuma ter atividades às quintas-feiras. Numa quinta-feira depois do Natal e às vésperas das festas de Ano Novo, imaginar atividade torna-se algo ainda mais impensável. No entanto, na tarde desta quinta-feira (26), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), desembarcou em Brasília e convocou uma reunião de líderes. Era uma reação à decisão tomada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que, na segunda-feira (23) determinou o bloqueio de R$ 4,2 bilhões das emendas de comissão ao orçamento, alegando que elas desrespeitavam o critério exigido de transparência e rastreabilidade.
Detalhes da reunião não foram divulgados, e a conversa entrou pela noite de quinta. Alguns líderes estavam presentes na residência oficial da Presidência da Câmara, no Lago Sul. Outros participaram da reunião de maneira virtual. O Correio da Manhã apurou que, de um modo geral, havia um clima de insatisfação.
Armadilha
A maior parte dos líderes avalia que Flávio Dino lhes preparou uma “armadilha”. A liberação dos recursos das emendas fez parte da negociação do governo com o Congresso para conseguir aprovar o pacote de corte de gastos. Nas últimas semanas de trabalho, o governo liberou mais de R$ 7 bilhões em emendas, acentuando o que já era um recorde: durante todo o ano de 2024, o governo liberou mais de R$ 50 bilhões para atender aos deputados e senadores.
Foi por conta da liberação que teria sido construído o ambiente para que o pacote fosse aprovado. Apesar de desidratado, com pontos que podem gerar desgaste de popularidade, uma vez que há previsão de cortes na área social. Arthur Lira argumenta que foi a partir dessa condução que a aprovação foi possível.
Segundo o presidente da Câmara, a base fiel do governo hoje não passaria de 12% dos deputados. No caso do pacote de corte de gastos, viu-se que mesmo à esquerda a fidelidade é relativa. O Psol foi contra o pacote. E mesmo três deputados do próprio PT – Marcon (SE), Natália Bonavides (RN) e Rui Falcão (SP) – votaram contra.
Sucessão
Oficialmente, a reunião era destinada a discutir a sucessão na Câmara. O mandato de Lira e dos demais integrantes da Mesa Diretora acaba em fevereiro. Novos nomes terão de ser escolhidos. Lira deverá ser sucedido por Hugo Motta (Republicanos-PB), mas é preciso definir os demais cargos. A eleição da nova Mesa será no dia 3 de fevereiro.
Apesar da insatisfação, os deputados concordam que é difícil uma reação, uma vez que o Congresso já está em recesso e só volta no ano que vem. Mas há duas possibilidades. A primeira pode ser buscar prejudicar o governo na distribuição dos cargos da Mesa. A segunda é criar dificuldades para a aprovação do orçamento. A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 não foi votada. O ano se iniciará sem orçamento. E o argumento para esse atraso foi justamente a indefinição sobre os valores para as emendas.
A aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dá ao governo a chance de ir gastado 1/12 do valor total a cada mês sem orçamento aprovado. Mas está longe de ser uma situação confortável. O governo fica sem qualquer limite para uma emergência, como as que aconteceram no ano passado, por exemplo, com as enchentes no Rio Grande do Sul.
Lula
Antes de iniciar as conversas com os líderes, Lira foi ao próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma conversa a sós, cujos detalhes não foram divulgados nem pela Presidência nem pela Câmara. Avalia-se, porém, que Lira tenha ido manifestar sua insatisfação.
Apesar da conversa e da reunião, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse, em entrevista à TV Fórum, que o governo não irá recorrer e vai cumprir todas as determinações de Flávio Dino. Segundo ele, a Advocacia Geral da União (AGU) analisou a decisão do magistrado e “não apontou nenhuma necessidade de recurso”.