Dino suspende emendas e joga duro com Congresso
Decisão bloqueia R$ 4,2 bilhões, e determina instauração de inquérito que pode ter Lira como alvo
Na antevéspera do Natal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino resolveu endurecer com o Congresso Nacional. Decisão do ministro suspendeu a liberação de R$ 4,2 bilhões em emendas orçamentárias de comissão que não teriam seguido as regras de transparência e rastreabilidade que haviam sido determinadas.
Além disso, o ministro determinou que a Polícia Federal instaure um inquérito para investigar as suspeitas de irregularidades na liberação dos recursos orçamentários. Uma investigação que acabará podendo ter como alvo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Dino quer que a investigação detalhe como Lira teria descumprido as determinações do STF, negociando a liberação dos recursos sem a necessária transparência. A decisão de Dino foi tomada em ação movida pelo Psol, com o apoio de diversas instituições, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Governo
Na verdade, ao investigar como a liberação aconteceu, Dino acaba jogando responsabilidade também sobre o governo. O STF havia determinado que as emendas só poderiam ser liberadas se claramente fosse possível saber que deputado ou senador destinou o recurso, para qual município, de qual estado e para qual finalidade. Isso não aconteceu com 5,5 mil emendas cujas liberações foram determinadas. Essas emendas foram liberadas após um ofício da Câmara, de número 1.4335.458/2024.
Tal ofício foi feito de comum acordo com o Executivo. Ele é assinado por diversos líderes de partidos. Inclusive pelo líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Uma reação de Dino e do STF já era esperada desde que o governo cedeu e liberou as emendas no curso das negociações para aprovar o pacote de corte de gastos na semana passada. Era, porém, esperado, que Dino bloqueasse a liberação. O que surpreendeu é que ele foi além, pedindo à Polícia Federal a instauração do inquérito.
Paradoxo
Para Dino, toda a negociação que resultou na liberação das emendas é “paradoxal”. O governo negociava com o Congresso num esforço para cortar despesas, como forma de cumprir com as regras de responsabilidade fiscal. No entanto, viu-se obrigado a liberar uma bilionária quantidade de recursos para obter a boa vontade dos deputados e senadores.
“Não é compatível com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, a continuidade desse ciclo de denúncias, nas tribunas das Casas e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas, desvios de verbas identificados em tribunais de contas e controladorias, malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, armários ou jogas por janelas”, escreveu Dino na sua decisão.
Overclean
No mesmo dia em que Dino tomava sua decisão, seguia na Polícia Federal a Operação Overclean, que investiga desvio de recursos de emendas orçamentárias em obras do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Na primeira fase da Operação, o vereador Francisquinho Nascimento (União), da cidade de Campo Formoso, na Bahia, tentou livrar-se do flagrante jogando uma mala de dinheiro pela janela.
O Correio da Manhã apurou que Dino obteve o apoio de todos os demais ministros do STF para a decisão que tomou na segunda-feira (23). Recentemente, sua decisão que definia os critérios para a liberação das emendas já tinha sido respaldada pela unanimidade dos ministros.
Congresso
O Congresso contesta a decisão. Afirma que todas as liberações estavam respaldas na lei que Câmara e Senado aprovaram após a primeira decisão de Dino, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dino insiste que não é bem assim. Desde a decisão inicial da ex-ministra e ex-presidente do STF Rosa Weber sobre o orçamento secreto, a determinação da Corte é de que é preciso saber quem é o autor da emenda e sua destinação ser detalhada. O que continua não acontecendo com boa parte das emendas de comissão.
Para liberar os recursos, Dino quer que o Congresso entregue as atas das reuniões das comissões temáticas, e que elas mostrem tal detalhamento. A entrega dessas atas é mais do que improvável. Elas não existem. Não houve reunião das comissões para determinar claramente a distribuição dos recursos.