Foram diversas as referências feitas ao filme Ainda Estou Aqui, que conta a história de Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva, que foi preso e assassinado em 1971 pela ditadura militar. O filme tem a direção de Walter Salles e Fernanda Torres, que interpreta Eunice, venceu na segunda-feira (6) o Globo de Ouro como melhor atriz dramática. A comoção em torno do filme, que conta a história de uma família de classe média alta no Rio de Janeiro destroçada pela truculência da ditadura, foi aproveitada como ganho do ato em memória dos dois anos do 8 de janeiro de 2023, como forma de alertar para os perigos de governos autoritários e os riscos de uma ruptura democrática.
“Hoje é dia de dizermos em alto e bom som: ainda estamos aqui”, discursou Lula. Ao final, Lula assinou um decreto que cria o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia. O prêmio será entregue, uma vez por ano, pelo Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU) a pessoas “que tenham colaborado de maneira notável para a preservação, restauração ou consolidação da democracia no Brasil”. A plateia ainda fez palavras de ordem em memória de Rubens Paiva, usando o já clássico “Rubens Paiva, presente”.
Amante
Numa parte improvisada, antes do discurso lido, Lula se declarou um “amante da democracia”. Um trecho que mereceu claro olhar de reprovação de sua esposa pelo viés machista, que balançou a cabeça negativamente. Ao se declarar “amante da democracia”, Lula emendou que “na maioria das vezes os amantes são mais apaixonados pelas amantes do que pelas mulheres”.
A ausência dos demais chefes dos poderes, que enviaram representantes, e a presença clara de muitos militantes do PT, com símbolos e camisas do partido, deu ao ato um caráter partidário e de governo que não era a intenção inicial. A solenidade tornou-se menos institucional do que a que aconteceu no mesmo dia no ano passado – na ocasião, só não estava presente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que novamente faltou nesta quarta-feira (7).
A Câmara dos Deputados foi representada pela 2a secretária da Mesa, deputada Maria do Rosário (PT-RS). O Senado por seu vice-presidente, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB). O Supremo Tribunal Federal (STF) também por seu vice-presidente, Edson Fachin. Estava presente a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia. Como, porém, ela não é chefe de poder, não discurso na solenidade. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, só compareceu porque Lula pediu que ele cancelasse uma viagem de férias que faria a partir de terça-feira (7) para Paris.
Restauração
Os atos tomaram toda a manhã no Palácio do Planalto. Por volta das 9h30, se iniciaram em solenidade mais fechada na qual foram devolvidos ao acervo dois objetos de valor inestimável que foram destruídos pelos manifestantes há dois anos.
O primeiro deles, um relógio criado no século XVII pelo artista e relojoeiro suíço Balthazar Martinot. O relógio foi um presente da França ao então rei de Portugal Dom João VI. Quando ele, ainda príncipe regente, embarcou com a família real para o Brasil em 1808, trouxe consigo a peça. O relógio foi feito em casco de tartaruga e com um tipo de bronze que não é mais produzido. A única peça igual que há no mundo está no Palácio de Versalhes, na França. No dia 8 de janeiro de 2023, o relógio foi destruído por Antônio Claudio Alves Ferreira. Foi enviado à Suíça para ser restaurado. Ao entregar a peça restaurada, o embaixador suíço declarou; “Vivemos tempos estranhos”.
Chamou a atenção o fato de a solenidade ser aberta por um discurso da esposa de Lula, Janja. “Estamos aqui para celebrar a democracia”, disse ela. “O Palácio do Planalto foi vítima do ódio que continua estimulando a divisão do país”.
Na mesma solenidade, foi devolvido ao acervo um vaso italiano de cerâmica que havia se partido em 180 pedaços. O vaso foi atirado do terceiro andar do Palácio do Planalto e espatifou-se no chão. Em seguida, nova solenidade colocou de volta no acervo o quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti. A pintura foi esfaqueada por manifestantes e sofreu diversos rasgos. As duas restaurações foram feitas por uma equipe da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel).
Estiveram presentes na solenidade dois netos de Rubens Paiva, João Francisco Rubens Paiva e Juca Paiva. E a filha de Di Cavalcanti, Elizabeth Di Cavalcanti.