O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, inicia seu mandato com um grande desafio. Desde que tomou posse em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegera como um dos seus alvos principais o antecessor de Galípolo, Roberto Campos Neto. Insistia que as altas taxas de juros mantidas pelo Banco Central na sua gestão tinham motivação política, pelo fato de Campos Neto ter sido nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A divulgação do índice de inflação na semana passada agora pressiona Galípolo. O Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), principal indicador da inflação brasileira, fechou o ano em 4,83%, acima do teto da meta. Muito provavelmente, ao presidir sua primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), Galípolo se verá obrigado a manter a alta a taxa de juros como medida para conter a inflação, colocando em xeque a ideia de motivação política.
Na sexta-feira (10), Galípolo enviou uma carta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, explicando os motivos pelos quais a inflação ultrapassou a meta estabelecida para 2024. Segundo a autoridade monetária, o desvio foi causado principalmente pelo forte crescimento da atividade econômica, pela depreciação cambial e por fatores climáticos, em “um contexto de expectativas de inflação desancoradas e inércia da inflação do ano anterior”.
Desvalorização
De acordo com o documento, a desvalorização do real em 2024 foi a mais acentuada entre as principais moedas internacionais, inclusive em comparação com países avançados. Isso indica que “fatores domésticos e específicos do Brasil tiveram papel expressivo nesse movimento cambial”. Desde o final do ano passado, o valor do dólar tem se mantido acima de R$ 6.
O cenário fiscal também impactou de forma relevante os preços de ativos e as expectativas dos agentes econômicos, especialmente no que diz respeito ao prêmio de risco, às expectativas de inflação e à taxa de câmbio. Os termos de troca, por outro lado, não desempenharam um papel relevante, pois, após uma piora nos primeiros meses de 2024, se recuperaram no segundo semestre, alcançando níveis semelhantes aos de 2023.
Segundo a carta, os principais fatores que contribuíram para o desvio de 1,83 p.p. da inflação em relação à meta foram a inflação importada (contribuição de 0,72 p.p.), a inércia do ano anterior (0,52 p.p.), o hiato do produto (0,49 p.p.) e as expectativas de inflação (0,30 p.p.).
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou o ano com uma alta acumulada de 4,83%, superando a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que era de 3%, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual (p.p.), ou seja, até 4,5%. Os dados foram divulgados pelo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em dezembro, o IPCA foi de 0,52%, superando em 0,13 p.p. a taxa registrada em novembro (0,39%). Este é o oitavo ano desde 1999 que a meta de inflação não foi cumprida. Nos 26 anos do regime de metas de inflação no Brasil, o estouro ocorreu também em 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024. Sempre que isso acontece, o presidente do Banco Central é obrigado a prestar esclarecimentos ao ministro da Fazenda e explicar os motivos do não cumprimento da meta.
O resultado de 2024 foi fortemente influenciado pelo aumento nos preços de Alimentação e Bebidas (7,69%), que teve o maior impacto, com uma contribuição de 1,63 p.p. no índice anual. Em seguida, destacaram-se os grupos Saúde e Cuidados Pessoais (6,09%) e Transportes (3,30%), com impactos de 0,81 p.p. e 0,69 p.p., respectivamente. Juntos, esses três grupos foram responsáveis por cerca de 65% do aumento total do IPCA no ano.
A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que há uma expectativa de pelo menos dois aumentos adicionais na taxa Selic — taxa básica de juros — ao longo de 2025, que, atualmente, está em 12,25% ao ano. Na avaliação de economistas, essa indicaçao anterior teria sido uma estratégia para aliviar a responsabilidade de Galípolo agora. A expectativa já teria sido adiantada antes do momento da sua posse, ainda dentro da gestão anterior.