Por: Gabriela Gallo

Brasil pode aplicar tarifas a EUA como retaliação, em último recurso

Trump ameaça sobretaxar produtos brasileiros | Foto: Alan Santos/PR

Novas declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (partido Republicano) trazem à tona um novo capítulo de incerteza nas relações comerciais entre o país com o Brasil. Em seu primeiro discurso diante do Congresso americano, o presidente citou o Brasil como um país que aplica tarifas “injustas” em produtos norte-americanos no mercado internacional. A declaração ocorreu na noite desta terça-feira (4).

“Outros países usaram tarifas contra nós por décadas, e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra eles. A União Europeia, China, Brasil e Índia, México e Canadá e diversas outras nações cobram tarifas tremendamente mais altas do que cobramos deles. É injusto. […] No que eles nos taxarem, nós os taxaremos. Se eles aplicarem medidas não tarifárias para nos manter fora do mercado deles, então nós faremos barreiras não monetárias para mantê-los fora do nosso mercado”, declarou Trump.

Está previsto para entrar em vigor a partir de 21 de março a implementação de tarifas de 25% sobre o aço e o alumínio brasileiro. Nesse meio tempo, as diplomacias de ambos os países precisam articular para tentar reduzir os impactos e danos que a medida pode gerar para as nações. O vice-presidente da República e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), pretende se encontrar ainda nesta semana com o secretario do Comercio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, para discutirem as tarifas impostas aos países.

A política econômica protecionista foi promessa de campanha de Donald Trump. O novo presidente também vem ameaçando anteriormente aplicar tarifas de 150% aos produtos dos países que compõem o Brics, bloco do qual faz parte o Brasil, caso o bloco passe por uma “desdolarização” e adote uma nova moeda para as suas relações comerciais.

Retaliação

Diante das mudanças propostas pro Trump, apesar de a diplomacia brasileira adotar um tom cauteloso nas negociações entre os países, o governo brasileiro cogita aplicar tarifas a produtos ou serviços norte-americanos, dentre elas, a taxação de Big Techs, as empresas que controlam as redes sociais. O tema já era discutido em território nacional antes das eleições dos Estados Unidos.

Ao Correio da Manhã, o internacionalista e especialista em comunicação política João Cândido destacou que qualquer decisão que envolva taxação precisa estar acompanhada de “uma narrativa bem estruturada”.

“A taxação das Big Techs já é uma pauta recorrente, com argumentos voltados para a equidade tributária e a regulamentação do mercado digital. No entanto, se for adotada como retaliação comercial, o governo precisará comunicar claramente os motivos e os objetivos dessa medida, evitando que seja interpretada como uma ação meramente punitiva. A falta de um discurso bem fundamentado pode gerar repercussões negativas na imprensa internacional e entre investidores. Caso o Brasil opte por retaliar, a comunicação do governo precisará reforçar a ideia de defesa dos interesses nacionais, evitando transmitir uma imagem de escalada de conflito comercial”, explicou à reportagem.

O Correio também conversou com o consultor de Política Internacional da BMJ Consultores Associados Vito Villar, que concorda com a possibilidade de o governo brasileiro retaliar os Estados Unidos. Porém, para ele, este não deve ser o primeiro recurso a ser aplicado. “O mais provável é que se busque a negociação de termos mais favoráveis antes de partir diretamente para uma guerra comercial. É importante relembrar que, internamente, aumentar imposto de importação tem custado muita popularidade ao governo. Portanto, medidas assim serão vistas com cautela”, reiterou.

Impactos

O internacionalista João Cândido destacou que “a escalada de tarifas pode gerar impactos diretos na cadeia produtiva de ambos os países, elevando custos para setores estratégicos, como a indústria siderúrgica e de tecnologia”.

“É essencial que o Brasil articule sua posição junto à comunidade internacional e utilize canais diplomáticos para minimizar os danos à imagem do país como parceiro comercial confiável. Além disso, um agravamento desse cenário pode impactar setores como agronegócio e manufatura, que dependem de exportações para os EUA. Dessa forma, a narrativa governamental deve buscar o equilíbrio entre firmeza na defesa dos interesses nacionais e a manutenção do diálogo como ferramenta essencial para resolver impasses comerciais”, afirmou.

Vito Villar ainda completou que o impacto direto “mais claro” será o impacto inflacionário, “especialmente para o setor industrial que importa o maquinário para as fábricas dos EUA”. “Além disso, também existe importação de petróleo refinado, defensivos agrícolas e produtos da indústria química. Dessa forma, uma eventual retaliação do Brasil tem potencial a ser mais prejudicial à indústria brasileira a curto prazo”, disse.