Embora o Ministério de Minas e Energia esteja preparando um projeto de reforma para o setor elétrico, representantes da área expressam receio de que o conteúdo não contemple todos os envolvidos. Ao Correio da Manhã, interlocutores consideraram a medida necessária, mas tardia e incerta, apontando que o Executivo poderia ter aproveitado essa pauta para também aumentar a popularidade do governo — que enfrenta dificuldades — com a redução da conta de luz, por exemplo.
Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que a reforma do setor energético será enviada ao Congresso Nacional em menos de 60 dias, antes do fim do primeiro semestre deste ano. Ele destacou a "urgência e relevância" do tema, sugerindo que a proposta poderia ser encaminhada como Medida Provisória, embora também exista a possibilidade de enviá-la como Projeto de Lei em regime de urgência. A decisão final sobre o envio, porém, ficará a cargo da Secretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ) e da Casa Civil.
Política estruturante
O ministro afirmou que a reforma será uma "política estruturante" e que envolverá "muitos interesses", já que o setor foi distorcido ao longo do tempo, especialmente por conta dos chamados "jabutis" — inserções no texto de uma lei que não têm relação direta com o tema original da proposta. Um exemplo citado foi o preço de renovação das usinas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfra).
Além disso, Silveira afirmou que a política está sendo cuidadosamente discutida para evitar que seja alvo de "fake news e distorções".
“Toda política transversal deve ser cuidadosa. Ela deve ser, antes de tudo, comunicada de forma adequada. Hoje, temos que primeiro conquistar a sociedade. Ela precisa entender e apoiar, para só depois lançar a política pública”, afirmou à imprensa após o evento “Combustível do Futuro: Rumo ao E30 e à Autossuficiência da Gasolina”.
Sem tempo hábil
No entanto, o deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), presidente da Comissão de Desenvolvimento Econõmico e suplente na Comissão de Minas e Energia (CME), expressou ceticismo quanto à aprovação de uma grande reforma do setor elétrico até o fim do atual governo. "Pessoalmente, não tenho grandes expectativas de que isso aconteça", afirmou.
De acordo com o parlamentar, um projeto de tamanha envergadura, se apresentado em 2025, não teria tempo suficiente para ser aprovado dentro do prazo do governo atual, já que o próximo ano será eleitoral. "O tema é complexo, o que exige amplos debates, discussões com diversos setores etc., para que se construa um consenso suficiente para aprovar a matéria. Não vejo tempo hábil para isso até o fim desse mandato", completou à reportagem.
20 anos
Na avaliação do ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a reforma do setor elétrico é urgente. Ele alertou sobre os custos envolvidos, destacando a necessidade de alocar esses recursos de forma eficiente e integrar novas tecnologias para o futuro do setor. "Estamos há quase 20 anos sem mudanças significativas. A última reforma do setor elétrico foi em 2004, e veja como a nossa matriz elétrica se transformou nesse período", afirmou o ex-ministro.
Albuquerque também enfatizou a importância de envolver todos os atores do setor elétrico, como consumidores e responsáveis pela geração e distribuição, para garantir a eficácia da reforma. Ele destacou que uma medida provisória tem grandes chances de caducar se não houver consenso, devido ao prazo limitado de sua vigência, e defendeu que um projeto de lei seria mais adequado, desde que haja acordo com o setor.
Falta de estratégia
Por fim, o presidente do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel), Heber Galarce, destacou a importância da reforma, mas criticou a condução do processo. “A falta de um diálogo efetivo com todos os atores envolvidos e a ausência de uma estratégia clara e consensual resultaram em um ambiente de polarização e desacordo”, afirmou o presidente do instituto.
Galarce lamentou que o governo tenha perdido dois anos em um processo que poderia ter sido mais construtivo, com mais consultas e menos polêmicas. Ele ressaltou que, ao focar em interesses individuais e não aproveitar a oportunidade, o governo desperdiçou uma chance de beneficiar a sociedade. "A reforma do setor elétrico não é apenas uma questão técnica, mas uma oportunidade política que foi desperdiçada", concluiu ao Correio da Manhã.