Por: Karoline Cavalcante

Após mudança no foro privilegiado, inquéritos voltam ao STF

Kassab é um dos políticos que volta a ser julgado pelo STF | Foto: Marcos Corrêa/PR

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu retomar a análise de ao menos oito investigações envolvendo políticos de destaque, incluindo o secretário de Governo de São Paulo, Gilberto Kassab, os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Ricardo Salles, e o ex-deputado Deltan Dallagnol. A decisão foi tomada após uma mudança no entendimento sobre o foro privilegiado, que agora permite que casos envolvendo crimes cometidos por figuras políticas durante o exercício de seus mandatos, mesmo após o fim dos cargos, sejam analisados pela Corte.

Antes dessa mudança, se um político com foro no STF cometesse um crime sem relação com suas funções, como homicídios ou furtos, a investigação deveria ser encaminhada para a primeira instância da Justiça. Com a nova interpretação, a prerrogativa de foro se mantém válida para crimes cometidos enquanto o político estava no exercício de suas funções, independentemente de ele ainda ocupar o cargo.

Inquéritos

As investigações contra o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab tiveram início a partir das delações premiadas dos irmãos Joesley e Wesley Batista, executivos do Grupo JBS. Durante os depoimentos, os irmãos afirmaram que Kassab teria recebido mais de R$ 16,5 milhões em propina entre 2014 e 2016, em troca de apoio político. Essas revelações, feitas no contexto da Operação Lava Jato, forneceram os primeiros indícios que levaram à abertura do inquérito, que apura os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, caixa 2 eleitoral e associação criminosa.

Nas redes sociais, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou a decisão do magistrado. “Há quem diga que vivemos em uma democracia, mas, todos os dias, a imprensa fala abertamente sobre o uso da justiça por Moraes como arma política, de intimidação, como instrumento de 'pressão' capaz de surtir efeito para intimidar o presidente de um partido. Isso não é normal a não ser em ditaduras”, escreveu Bolsonaro.

As investigações contra Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Michel Temer, tiveram início após a descoberta de R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um apartamento em Salvador, em 2017. A quantia, encontrada pela Polícia Federal, estava relacionada a suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro, levantando a hipótese de que Geddel teria recebido propina em troca de favores políticos.

Dallagnol responde a uma queixa-crime movida pelo ex-ministro da Justiça, Flávio Dino, e o processo segue em sigilo. A queixa foi apresentada em abril de 2023, acusando Dallagnol de calúnia, difamação e racismo, devido a declarações feitas pelo ex-deputado em entrevistas, nas quais afirmou que o então ministro da Justiça havia feito acordos com o crime organizado que o teriam autorizado a visitar o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

Insegurança jurídica

Para o advogado Rodolfo Tamanaha, professor de direito público da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), o principal problema no caso de Gilberto Kassab é a mudança frequente do entendimento do STF, que gera insegurança jurídica. "A constante mudança na jurisprudência do Supremo é o grande problema. Embora a decisão sobre o caso de Kassab esteja de acordo com a lei, essa inconstância gera insegurança jurídica, especialmente em temas tão importantes", afirmou Rodolfo.

Na avaliação da advogada e Head de Tributário da BMJ, Gabriela Rosa, embora a decisão de ampliar o foro privilegiado tenha sido considerada um avanço para a classe política no passado, hoje ela é vista como uma derrota. “No passado, o foro privilegiado permitia que políticos fossem julgados por um colegiado mais amplo, o que oferecia mais garantias de defesa. Mas, atualmente, muitos políticos temem ser julgados pelo Supremo, especialmente devido ao protagonismo que a Corte tem assumido nos últimos anos”, afirmou Gabriela.

Ela também observou que, apesar das especulações políticas sobre a relação dessa decisão, a mudança de entendimento no STF foi inevitável. "Essa decisão tem um impacto imediato, e a consequência natural seria o retorno desses processos ao Supremo. O movimento contrário, que seria não levar esses processos ao STF, seria mais complicado e teria um caráter político", afirmou.