Por: Karoline Cavalcante e Rudolfo Lago

Projeto de lei da reciprocidade vai à sanção presidencial

Unanimidade também na Câmara leva projeto à sanção | Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, nesta quarta-feira (2), o Projeto de Lei (PL) nº 2.088/2023, conhecido como "PL da Reciprocidade". A proposta permite que o governo federal adote contramedidas tarifárias e ambientais impostas por outros países. O relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), manteve o texto aprovado no Senado no dia anterior e a votação foi realizada de forma simbólica, após um acordo entre os parlamentares para garantir a tramitação rápida. Agora, o projeto segue para sanção presidencial.

Enquanto a matéria estava em debate, o Partido Liberal havia entrado em obstrução para forçar o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar o requerimento de urgência do projeto de lei que anistia os envolvidos nos atos do dia 8 de janeiro de 2023. No entanto, o líder da sigla na Casa, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), retirou os destaques justificados pelo apoio ao agronegócio brasileiro.

Mais cedo, a Casa havia aprovado o requerimento de urgência com 361 votos favoráveis, dez contrários e duas abstenções. A iniciativa surge como uma resposta à recente elevação de tarifas anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que oficializou, em transmissão ao vivo da Casa Branca, a imposição de tarifas recíprocas. Esse “tarifaço”, no caso brasileiro, terá uma taxa de 10% sobre impostos de importação. Para outros países, a taxação é maior. A medida afeta 59 países a partir da meia-noite desta quinta-feira (3). Prevê também uma cobrança de 25% sobre carros importados.

Tarifas “gentis”

Para Trump, as medidas estão sendo aplicadas de forma “gentil”, já que não serão completamente recíprocas, e sim de aproximadamente metade do que os países cobram dos produtos norte-americanos. “Dois de abril de 2025 será para sempre lembrado como o dia em que a indústria americana renasceu, que o destino da América foi recuperado e o dia em que começamos a tornar a América grande novamente”, declarou Trump.

Desde o mês passado, o Brasil já enfrenta uma tarifa de 25% sobre aço e alumínio nas exportações para os EUA. De acordo com a relatora da matéria no Senado Federal, Tereza Cristina (PP-MS), que foi quem apresentou um substitutivo ao texto de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que anteriormente englobava a reciprocidade ambiental somente, o tarifaço anunciado é linear para cada país. Ou seja, na impossibilidade de verificar produto por produto, o presidente dos Estados Unidos impôs uma tarifa a mais única para cada país. No caso do Brasil, os 10% implementados serão somados às tarifas específicas que ele já tinha anteriormente anunciado.

Segundo ela, a lei aprovada funciona como uma espécie de “bomba atômica”, isto é, algo de que o país dispõe não necessariamente para usar, mas para se defender. “O projeto gera diversos dispositivos de negociação. Ele, na verdade, coloca a negociação em um patamar mais equilibrado, ao deixar a chance da reciprocidade”, explicou ao Correio da Manhã.

Superávit comercial

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil lamentou a decisão tomada. Em nota, afirmou que a medida, em conjunto com as demais tarifas já impostas, violam os compromissos dos EUA perante a Organização Mundial do Comércio (OMC) e impactará todas as exportações brasileiras de bens para os país norte-americano. O governo disse avaliar todas as possibilidades para assegurar reciprocidade no comércio bilateral, inclusive por meio de recurso à OMC.

O Brasil representa o país com o terceiro maior superávit com os Estados Unidos. Entre as trocas comerciais entre os dois, os EUA acumularam US$ 28,6 bilhões no comércio e serviços no ano passado. Em 2024, esse valor foi de US$ 7 bilhões, somente em bens. “Uma vez que os EUA registram recorrentes e expressivos superávits comerciais em bens e serviços com o Brasil ao longo dos últimos 15 anos, totalizando US$ 410 bilhões, a imposição unilateral de tarifa linear adicional de 10% ao Brasil com a alegação da necessidade de se restabelecer o equilíbrio e a “reciprocidade comercial” não reflete a realidade”, declarou o Itamaraty.

Efeito cascata

Ao Correio da Manhã, a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, avalia que o aumento das tarifas pode levar a uma redução das exportações brasileiras para os Estados Unidos, afetando diversos setores da economia, como o agronegócio e a indústria. “A medida também pode gerar um efeito cascata, com outros países adotando medidas protecionistas, o que prejudicaria o comércio internacional. O aumento das tarifas de aço e alumínio, em particular, podem impactar de forma severa as indústrias brasileiras”, declarou Gomes.

A advogada explica que mesmo com o tom ameaçador, o Brasil deve administrar com cuidado e estratégia sem aplicar uma retaliação contundente que prejudique a relação, “ao menos, até que tenha se firmado outras parcerias que possam contrabalancear o superávit que temos com os EUA”. “O Brasil fica pressionado a se abrir mais para o mercado global, entrando em outras cadeias produtivas de produção, de modo a ficar menos dependente do consumo americano”, finalizou a especialista.