O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou, por unanimidade, na última terça-feira (8), a vedação total da prescrição de bloqueadores hormonais da puberdade para crianças e adolescentes com dissidência de gênero. O relatório, elaborado pelos conselheiros Raphael Câmara (RJ) e Bruno Leandro de Souza (PB), altera diretrizes estabelecidas em 2019 e foi revelado pela Folha de S. Paulo, com confirmação do Correio da Manhã. O novo documento estabelece quatro mudanças principais na regulamentação anterior, e deverá ser publicado no Diário Oficial da União entre segunda (14) e terça-feira (15).
Casos de puberdade precoce ou de outras condições endócrinas, no entanto, não estão incluídos na proibição dos bloqueadores hormonais, sendo a restrição aplicada exclusivamente à circunstância mencionada. A resolução também eleva de 16 para 18 anos a idade mínima para o início da chamada “terapia hormonal cruzada” — ou hormonização — que consiste na administração de hormônios correspondentes ao gênero com o qual a pessoa se identifica.
Cirurgias
O texto ainda aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para a realização de cirurgias de redesignação sexual que possam comprometer a capacidade reprodutiva. Já os procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero que não apresentam impacto sobre a fertilidade permanecem autorizados a partir dos 18 anos. Como justificativa, o CFM citou uma alteração legislativa aprovada pelo Congresso Nacional em agosto de 2022, que reduziu de 25 para 21 anos a idade mínima para a realização de laqueaduras e vasectomias no Brasil. A lei foi sancionada em setembro do mesmo ano.
Clínicas que realizarem cirurgias de transição de gênero deverão, obrigatoriamente, cadastrar os pacientes e disponibilizar essas informações aos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) locais. O objetivo é, entre outros, permitir a avaliação de eventuais complicações dos procedimentos. Além disso, a medida orienta que pessoas trans que mantêm órgãos do sistema reprodutor biológico procurem atendimento com médicos especialistas da área correspondente.
Riscos á saúde
O CFM afirma ter seguido uma tendência internacional; Países como o Reino Unido e a Suécia reviram protocolos de transição de gênero para menores de idade.
Isso porque se entende que o uso de hormônios pode trazer riscos á saúde e efeitos colaterais. O CFM alega ainda haver casos de crianças e adolescentes que, depois, teriam se arrependido de fazer o tratamento. No Reino Unido, cita-se o caso de Keira Bell. Diagnosticada aos 14 anos com disforia de gênero, ela se arrependeu dos tratamentos hormais aos 16 anos. A justiça do Reino Unido determinou que os responsáveis pelo seu processo de transição pagassem seu tratamento de saúde.
Embora a aprovação tenha recebido a unanimidade dos votos da entidade, fontes do CFM revelaram ao Correio da Manhã que o ponto mais controverso foi justamente o que impede totalmente o uso de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes. Os demais trechos da resolução foram aprovados "com tranquilidade".
Protestos
Em nota, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) manifestou repúdio às alterações, classificando-as como “um grave retrocesso no direito ao acesso à saúde integral da população trans e travesti no Brasil, em especial de crianças e adolescentes trans, diretamente afetados por essa medida”.
“Estamos diante de mais uma ação coordenada que dialoga com a crescente agenda antitrans em nível global, marcada por políticas e discursos que atacam diretamente a existência, a dignidade e os direitos básicos da nossa população. A revogação de diretrizes que garantiam acompanhamento e cuidado adequados para crianças e jovens trans sem nenhuma justificativa aceitável representa um ataque deliberado ao futuro dessas pessoas, com impactos profundos e irreversíveis em sua saúde mental, segurança e bem-estar coletivo de nossa comunidade”, afirmou a Antra.
O diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, declarou que a organização, junto de outras entidades, irá denunciar o caso ao Ministério Público Federal (MPF). “Afinal de contas, pessoas trans não nascem com 18 anos. A criança, o adolescente, já se percebe — e precisa, sim, de tratamento. Não estamos falando de resignação ou operação, mas de tratamentos que já são realizados em diversos países do mundo”, afirmou Toni à reportagem.
“Infelizmente, essa resolução representa uma decisão extremamente conservadora, que não ouviu as pessoas, os pais e as mães envolvidos. Por isso, vamos entrar com a denúncia no Ministério Público Federal, para aprofundar esse debate. Toda decisão deve ser baseada na ciência, e não na moral desta ou daquela gestão do Conselho Federal de Medicina", explicou.