Por: Gabriela Gallo

Morte de criança reacende discussão sobre regulação das redes

Comissão começará a discutir regulamentação das redes | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

A senadora Leila Barros (PDT-DF) apresentou, nesta quarta-feira (16) o projeto de lei (PL) nº 1.698/2025 para criminalizar a indução, instigação ou auxílio à participação de crianças e adolescentes em desafios que representem risco à saúde ou à segurança. O PL é uma reação direta a morte de Sarah Raissa Pereira de Castro, de apenas 8 anos. Ela morreu no domingo (13) após inalar desodorante de aerosol para um desafio que circula nas redes sociais. Com isso, o projeto de Leila Barros propõe incluir na atual legislação penas voltadas exclusivamente para os "desafios virais", como são conhecidos no meio virtual, com foco em prevenir os que coloquem em risco a integridade física e mental de menores de idade. O texto será analisado pelas comissões permanentes da Casa.

Se aprovado da forma como se encontra, o texto inclui no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) penas que podem variar de 1 a 5 anos de reclusão e multa para quem induzir, instigar ou promover esses desafios. Em caso de desafios que envolvam substâncias tóxicas ou risco de lesões físicas graves ou mentais, a pena aumenta para 2 a 8 anos de prisão e, em casos que resultem em morte, as penas aumentarão de 6 a 12 anos de reclusão mais o pagamento de multa.

“Não podemos normalizar que a internet seja um ambiente onde tudo é permitido. A morte de Sarah, assim como a de tantas outras crianças e adolescentes, não pode ser em vão. É preciso responsabilizar quem cria, divulga ou instiga esse tipo de conteúdo perigoso”, declarou a senadora.

Para além de Leila, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, encaminhou nesta terça-feira (15) para as plataformas digitais TikTok e Kawaii um ofício que determina a providência das empresas para assegurar a proteção da integridade física e psicológica de crianças e adolescentes que acessam as plataformas.

Entenda

Na última quinta-feira (10), Sarah Raissa Pereira de Castro tentou realizar uma “trend” (tendências de conteúdos nas redes sociais) do “desafio do desodorante”, que consiste em uma competição para ver quem consegue inalar uma quantidade de desodorante aerosol por mais tempo. A prática pode ser letal, especialmente para crianças, porque leva as substâncias do produto pelas vias respiratórias para os pulmões, órgão responsável por bombear o coração. Ao entrar em contato com os alvéolos pulmonares, eles deixam de realizar a troca gasosa (inspirar gás oxigênio e soltar gás carbônico), o que levar a uma queda nos níveis de oxigênio no sangue e, consequentemente, a uma parada cardíaca.

Ela foi encontrada desmaiada em casa pela família após sofrer uma parada cardiorrespiratória e foi encaminhada às pressas para o Hospital Regional de Ceilândia, no Distrito Federal, onde ficou internada por três dias. Mas no domingo ela faleceu.

Sarah não foi a única vítima do desafio. Em 9 de março, Brenda Sophia Melo de Santana, de 11 anos, faleceu no Hospital Municipal Dr. Miguel Arraes, em Bom Jardim (PE), também em decorrência do Desafio do Desodorante.

A morte das crianças em decorrência de um desafio nas redes sociais, pressiona as discussões acerca da regulação das redes sociais. O projeto voltado para a regulamentação das redes nunca avançou devido a falta de acordo entre parlamentares do Congresso, especialmente os mais conservadores, que no geral se mostraram contrários a qualquer regulamentação das redes.

Necessidade

Ao Correio da Manhã, o especialista em Marketing Digital e idealizador do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial (IRIA) Marcelo Senise avalia que os casos “escancaram a necessidade de discutir seriamente a regulamentação das plataformas digitais, principalmente para proteger os mais vulneráveis de conteúdos perigosos e inadequados”.

Um dos principais pontos que entram em conflito quanto ao debate da regulamentação das redes se trata de um eventual limite à liberdade de expressão – que não é ampla perante a Constituição brasileira. Nessa linha, Marcelo Senise também é um defensor da liberdade de expressão, contudo, ele destaca que ela “não pode servir como escudo para irresponsabilidade, desinformação ou promoção de comportamentos de risco”.

“O caminho para garantir a segurança no ambiente digital está justamente na responsabilização: de quem cria, posta e dissemina conteúdos perigosos ou danosos. Não se trata de censurar ideias, mas de responsabilizar quem incentiva crimes, práticas autodestrutivas ou comportamentos que coloquem outros em risco. Defendo também que as plataformas tenham deveres mais claros de agir rapidamente na identificação, sinalização e remoção de conteúdos nocivos, especialmente quando envolvem menores”, completou Senise para a reportagem.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já se comprometeu a criar a comissão para discutir o projeto de regulamentação das redes sociais.